Uma base (ainda) pouco confiável - Política - Hold

Uma base (ainda) pouco confiável

Os movimentos registrados em Brasília na terça-feira, 2 de maio, apenas comprovaram o que é de conhecimento geral. Hoje, o governo Lula (PT) não tem uma base minimamente sólida para fazer avançar sua agenda. Trata-se de obra ainda em construção.

Em meio às negociações para votação do projeto das Fake News, diversos sinais foram emitidos ao longo do dia. Idas e vindas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), ele próprio um defensor da proposta. Mudanças no texto feitas pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP). Declarações de líderes governistas, como o deputado José Guimarães (PT/CE), revelando as incertezas quanto a se levar a proposta ao plenário. O governo e todo um conjunto de especialistas, juristas, comunicadores e demais defensores da proposta, realmente temeram ser derrotados.

Para tornar a situação ainda mais dramática, a posição assumida pelas chamadas “big techs”, abertamente contra o projeto e que contou com a adesão expressiva de parlamentares conservadores, em especial a bancada evangélica (mas não só), obrigou o Planalto a partir para o confronto direto, justamente no momento em que se buscava o entendimento.

É importante observar o atual estado do governo Lula, em comparação com seus dois primeiros mandatos. Há diferenças gritantes, que podem ser explicadas por três motivos.

Em primeiro lugar, há o problema das lideranças. Ao tomar posse pela primeira vez, em 2003, o petista tinha a seu lado atores políticos de peso como José Dirceu, José Genoíno, Antônio Palocci e Luiz Gushiken, para citar apenas alguns. Sem desmerecer a qualidade dos atuais líderes, a articulação do Planalto enfrenta graves problemas. Soma-se a esse fato, que a oposição aos dois primeiros governos Lula, feita principalmente pelo PSDB e o então PFL, era mais qualificada e respeitava, dentro do possível, a liturgia e os simbolismos da política. Por mais incrível que possa parecer, havia um respeito no Parlamento mútuo, muito diferente do que temos hoje.

Além disso, o Brasil e o mundo mudaram muito nesses vinte anos. Durante os governos Lula 1 e Lula 2 viveu-se o boom das commodities, uma janela de oportunidades que foi bem aproveitada por aqui. Depois, surgiram os problemas, cujos efeitos são sentidos até hoje - crise financeira global em 2008, primavera árabe, manifestações de junho de 2013, impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), ascensão da ultradireita em todo o planeta e chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder, pandemia, guerra na Europa e inflação global em alta. Século XXI conturbado.

Por fim, o tamanho da chamada “frente ampla”, por paradoxal que seja, limita a capacidade de ação do Planalto. Do PSOL ao União Brasil, passando por PSD, PSB e MDB, e sem contar o hegemonismo do PT (fonte de tensão permanente entre os aliados), é difícil negociar uma agenda mínima com grupos políticos tão divergentes. Vencer uma eleição é uma coisa, administrar um país complexo como o Brasil outra.

A rigor, o adiamento da votação do PL das Fake News representa uma derrota para o governo, e também acende um sinal de alerta. Em breve, a ainda instável base aliada será testada de verdade no Congresso Nacional - CPIs e as negociações para se tentar aprovar o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, além do indicado à vaga do STF. Ao Planalto é de fundamental importância azeitar a máquina. Do contrário, a atual gestão correrá sérios riscos.

André Pereira César

Cientista Político

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