Soy loco por ti, América - Política - Hold

Soy loco por ti, América

Se ainda não representam uma convulsão, os mais recentes eventos têm gerado grande turbulência na América do Sul. As lideranças dos países trocam farpas e acusações entre si, em um quadro poucas vezes visto na região nas últimas décadas.

Aos fatos, e não são poucos. Para citar duas personagens controversas (já abordadas aqui, diga-se), o argentino Javier Milei e o venezuelano Nicolás Maduro estão no centro de polêmicas de porte. Fiel a seu estilo histriônico, o presidente da Argentina se encontrou com outra figura controversa, o empresário Elon Musk. Na pauta, uma suposta “ajuda” ao dono do X (ex-Twitter) no embate com o Supremo Tribunal Federal, em especial com o ministro Alexandre de Moraes. Aqui cabe a questão central - quais os limites da chamada liberdade de expressão? Na verdade, trata-se de mais uma jogada de marketing do presidente argentino, que segue enfrentando dificuldades em seu país.

Já no outro extremo político-ideológico, Maduro, após impedir a inscrição de candidatos adversários nas eleições presidenciais de logo mais, simplesmente anexou a região de Essequibo, na Guiana. É claro que, como diz o ditado, “papel aceita tudo”, mas o movimento conseguiu bom apoio popular, inclusive de setores da oposição ao presidente. Por se tratar de uma região rica em minérios e petróleo de qualidade, espera-se, em algum momento, alguma reação de países como os Estados Unidos da América, Rússia e China, em posições distintas. A conferir.

Igualmente o Equador, já às voltas com o crime organizado, envolveu-se em uma situação no mínimo inusitada. O governo do presidente Daniel Noboa invadiu a embaixada do México para capturar o ex-vice-presidente do país, Jorge Glas, que estava exilado no local. O ato vai contra as convenções internacionais e gerou reação furiosa no presidente mexicano, Lopes Obrador. A situação traz à memória dois casos, o do fundador do Wikileaks, Julian Assange (que por acaso foi retirado da embaixada equatoriana em Londres), e do affair húngaro de Jair Bolsonaro em Brasília. Ecos de Budapeste?

Voltando a Milei, ele se envolveu em um autêntico bate-boca com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, ao relembrar o passado guerrilheiro (M19) do colombiano. O imbróglio inicialmente gerou um conflito diplomático, com embaixadores sendo chamados de volta a seus países, mas aparentemente a situação voltou ao normal e os dois chefes de governo inclusive anunciaram a possibilidade de um estreitamento nas relações bilaterais. Mera retórica até a próxima crise? Movimentos apenas para “lacrar” junto aos seus eleitores mais redicais?

Falando mais uma vez de Maduro, ele foi duramente criticado pelo presidente chileno Gabriel Boric na questão dos direitos humanos. No caso, ele referiu-se especificamente ao assassinato do ex-militar Ronald Ojeda, crítico do regime bolivariano. Segundo o chefe de governo do Chile, o crime teria sido cometido pelo grupo Los Gallegos, um braço da facção Tren de Aragua, que também atua no Chile e em outros países. Mais um indicativo de que o crime organizado expande seus tentáculos por todo o continente. Uma séria questão de segurança pública que deveria ser objeto de ações conjuntas dos países do continente.

Para o governo Lula (PT) fica, no momento, um gosto amargo e certa frustração com o cenário em curso. O presidente brasileiro, como se sabe, tem como um dos objetivos centrais de sua terceira administração recolocar-se como a grande liderança regional. Até o momento, porém, não tem obtido sucesso. Pelo contrário, a proliferação de problemas no continente dificulta uma ação mais efetiva. Pior, o conturbado cenário global, com conflitos se espalhando pelo planeta, representa uma dificuldade extra. Por ora, nem mesmo a presidência brasileira do G20, até o final do ano, e a COP30, que ocorrerá em Belém (PA) em 2025, parecem ser suficientes para virar o jogo.

André Pereira César

Cientista Político

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