Um silêncio e duas falas - Política - Hold

Um silêncio e duas falas

O ex-ministro da Justiça se calou, enquanto o ministro da Fazenda e o titular do Planalto falaram, e não pouco. Anderson Torres, Fernando Haddad e Lula foram, cada um a seu modo, protagonistas na quarta-feira.

No caso do ex-comandante da Justiça, o que se deu foi um anticlímax. O aguardado depoimento foi marcado pelo silêncio, que segue fielmente a orientação de sua defesa. Por sinal, o advogado de Torres, Rodrigo Roca, é bastante ligado ao bolsonarismo, em especial ao senador Flávio, que inclusive se utilizou de seus serviços profissionais há não muito tempo.

Aliás, é grande a expectativa, que beira mesmo a apreensão, em torno do depoimento de Torres. Teme-se, no entorno bolsonarista, que o ex-ministro não suporte a pressão e fale muito, comprometendo o ex-mandatário. Ao menos por ora, como se vê, isso está contido. Segunda-feira da próxima semana deverá ocorrer nova rodada.

Importante lembrar que Torres, delegado da Polícia Federal, ex-ministro da Justiça e com breve passagem pela Segurança Pública do Distrito Federal, conhece os caminhos para realizar uma negociação que lhe seja minimamente favorável. A conferir.

No caso de Haddad, ele tenta se aproveitar do Fórum Econômico de Davos, do qual participa, para recuperar a imagem do Brasil junto à comunidade internacional. Em todas as mesas das quais toma parte, ele insiste em afirmar que é possível zerar o déficit nas contas públicas em dois anos. Ele afirmou ainda que a equipe econômica focará em uma agenda de crédito, buscando retirar os consumidores das listas de negativados para que possam voltar ao mercado de consumo, além da aprovação de uma necessária reforma tributária ainda no primeiro semestre.

Por enquanto, há basicamente retórica do governo, que ainda não tomou totalmente assento no poder. Há muitas zonas cinzentas e a economia é um dos piores gargalos para a nova gestão.

Em tempo, Haddad foi de certa maneira ofuscado na quarta-feira em Davos pelo acidente que vitimou o poderoso ministro do Interior da Ucrânia. A guerra no coração da Europa ocupa boa parte dos debates e a aparição do presidente Zelensky em vídeo apenas acentuou essa realidade.

Por fim, o presidente Lula começou o dia naquele que talvez seja seu ambiente preferido, o meio sindical. Com uma grande claque a aplaudir, falou em retomada do crescimento econômico e em aprovar uma reforma tributária que torne o sistema mais simples e menos regressivo. O velho debate retorna à cena, sob uma roupagem não tão nova.

O presidente concedeu ainda uma entrevista à Globonews, a primeira exclusiva da atual administração. O leque de assuntos abordados foi extenso, da Amazônia a CPIs, passando por economia, questões sociais, democracia, viagens internacionais e atos terroristas em Brasília. Nesse início de governo, Lula mostra-se à vontade. Ao menos com a imprensa ou em ambientes controlados, ele consegue se sair bem. Veremos até quando.

O ciclo político que apenas se inicia registra uma profusão de eventos em todas as áreas da administração pública. Isso deve prosseguir ainda por algum tempo, até a acomodação definitiva de governo e de oposição.

André Pereira César

Cientista Político

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