Sobre guerra e trevas - Política - Hold

Sobre guerra e trevas

O escritor Amós Oz, talvez o maior nome da literatura israelense em todos os tempos, escreveu sua obra máxima, “De amor e trevas”, fazendo de suas memórias pessoais uma revisão da história de seu país. Trata-se de texto seminal, que joga luzes sobre o quadro atual - confronto de Israel contra o Hamas.

Um pouco de história. O Estado de Israel nasceu em 1948, tendo à frente Ben-Gurion, liderança mítica que sintetiza a alma do povo judeu. Desde então, o país enfrentou diversos ataques de seus vizinhos árabes, como a Guerra dos Seis Dias (1967) e a do Yom Kippur (1973). Hoje, o embate com os palestinos do Hamas é mais um capítulo da curta e turbulenta história dessa nação, que tem nos Estados Unidos seu mais importante aliado.

Do outro lado, o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica, em tradução literal) foi criado em 1987, a partir da primeira Intifada - de origem sunita e egresso do egípcio Irmandade Muçulmana, de corte mais radical. Em linhas gerais, o grupo defende o estabelecimento de um Estado palestino “desde o rio até o mar” e é considerado terrorista pelos norte-americanos, pela União Europeia e pelo Japão, entre outros. Formalmente, o Brasil não considera a organização terrorista, apesar de condenar o recente ataque.

Aos fatos - que todos sabem, mas é importante registrar. No sábado, 7 de outubro, o Hamas realizou um ataque surpresa contra Israel, a mais violenta ação contra o território israelense dos últimos cinquenta anos. Os serviços de inteligência do país não conseguiram antecipar que uma ofensiva dessa magnitude estava sendo preparada e, desde então, o conflito ganhou escala. No Brasil (e em todo o mundo), a mídia dá destaque absoluto ao confronto e outros temas igualmente importantes simplesmente saíram de cena.

As recentes tragédias climáticas no sul e sudeste; a violência policial e de bandidos na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro; os índices econômicos que projetam um crescimento de mais de 3% do PIB brasileiro; a taxa de juros; a crise entre os presidentes do Legislativo e o Supremo Tribunal Federal; a descriminalização da maconha e do aborto e o marco temporal; e o julgamento, pela Justiça Eleitoral, de mais três processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), são exemplos de temas que desapareceram da cobertura da grande imprensa.

Para o Brasil, o confronto representa um desafio maior. Explica-se. O país está na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU e, a princípio, pretendia ocupar o espaço para discutir questões como a crise climática. É sabido que o país, há tempos, trabalha para conquistar um assento definitivo no Conselho de Segurança e, desse modo, a mediação do conflito pode ajudar na demanda - caso o saldo final seja positivo, é claro.

Tensão e incerteza dominam o momento e quem fizer apostas corre o risco de perder. Indo além, até mesmo a cena política nacional pode sofrer os efeitos do conflito em curso. A polarização atual no Brasil ganhará novos elementos? Como o bolsonarismo mais radicalizado trabalhará os fatos correntes? A conferir.

Um conflito de décadas não terá solução imediata, por suposto. Mas uma boa mediação pode encaminhar entendimentos futuros.

Guerra e trevas, sangue e trevas. Amor e trevas. Amós Oz, gigante da literatura, nunca foi tão atual.

André Pereira César

Cientista Político

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