Reflexões sobre um processo de impeachment - Política - Hold

Reflexões sobre um processo de impeachment

Coautor do processo que resultou no afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT), o jurista Miguel Reale Júnior fez importantes observações sobre a peça que pede o impeachment de Lula (PT), por sua fala sobre Israel. Outros especialistas concordam com Reale Júnior.

Em linhas gerais, o pedido, protocolado na Mesa da Câmara dos Deputados no final de fevereiro, de acordo com interpretação de Reale Júnior, não teria valor legal, por um motivo simples - quem assina a peça fica impedido de participar da votação. Assim, os quase duzentos deputados signatários do pedido, com a notória Carla Zambelli (PL/SP) à frente, não poderiam nem mesmo integrar a Comissão Especial que eventualmente trataria da questão.

Apenas para registrar, a proposta ora apresentada tem entre seus signatários muitos integrantes do PL, maior bancada da Casa, mas também dezenas de parlamentares que representam legendas que ocupam cadeiras em cargos de primeiro e segundo escalões e que, por isso, em tese são alinhadas ao Planalto. Aqui fica uma pergunta de caráter eminentemente político - o presidente da República acertou ao abrir espaço para agremiações como Republicanos, União Brasil e PP, que a rigor passam longe da linha programática do atual governo?

Voltando ao pedido, a tese defendida é clara. Quem assina uma proposta com esse teor se torna parte do processo e, assim, não pode participar da votação. Aqui cabe outra pergunta - houve erro na articulação dos parlamentares envolvidos ou foi tudo calculado?

À primeira vista, o erro teria sido crasso. No entanto, há uma óbvia explicação política para o ocorrido até agora. Ao assinar o pedido de impeachment do petista, os deputados, majoritariamente de centro-direita e de extrema-direita, acenam para seus eleitores, que são visceralmente contrários à atual administração. No limite, um grande teatro bem coreografado.

Indo além, juristas afirmam que as falas de Lula sobre Israel, seguidas da declaração de persona no grata por parte do governo daquele país, não sustentam a tese de afastamento do titular do Planalto. Apenas há o desgaste político inerente ao caso. Simples assim.

Por fim, cabe ressaltar que Lula, ao cobrar coerência dos deputados dissidentes e ameaçar com a perda de espaço no governo, apenas mexe uma peça no tabuleiro. O jogo é bruto e não permite vacilos. Piscou, perdeu.

São necessários os votos de 2/3 dos deputados (342) para um pedido de impeachment ser aprovado no plenário da Câmara. O atual movimento, pelo que se vê, não prosperará. Ao final, quem pode sair ganhando de todo esse processo é o presidente da Casa, Arthur Lira (PP/AL), ainda o senhor do jogo.

André Pereira César

Cientista Político

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