Engana-se quem imagina que, com o recesso, a política entra em um período de hibernação. Nos bastidores, a mobilização dos atores se intensifica, e muitas vezes isso vem à tona. Esses primeiros dias sem trabalhos no Congresso Nacional confirmam essa realidade.
Chama a atenção, em especial, o comportamento do vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL/AM). Importante liderança de um partido aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e uma das referências do Centrão, o parlamentar respondeu duramente aos ataques recebidos do titular do Planalto, por conta da ampliação do valor do Fundo Eleitoral.
Na verdade, Ramos foi a vítima da vez de Bolsonaro. Ele conduziu a sessão plenária do Congresso que aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que continha o dispositivo que triplicava os recursos destinados ao Fundo Eleitoral. No entanto, a negociação da matéria teve a participação - e o aval – das lideranças do governo e dos partidos da base, e contou inclusive com os votos favoráveis dos filhos Flávio e Eduardo. Ramos apenas conduziu o processo de votação, sem poder de interferência algum, se limitando a observar a aprovação dos acordos firmados.
Ao culpar o parlamentar pelo resultado da votação, Bolsonaro está apenas sendo Bolsonaro. Em momentos críticos, quando se faz necessário tomar uma decisão que desagradará algum grupo, o presidente da República se comporta de maneira agressiva e sai à caça de um culpado, buscando se eximir de suas responsabilidades.
No caso, o governo tem um dilema em mãos. Caso sancione o projeto na íntegra, irá desagradar boa parte de seus eleitores mais fiéis, contrários a medidas desse tipo. Vetada a proposição, mesmo que parcialmente, significará o rompimento de um acordo celebrado com o Centrão, com possíveis consequências negativas para o Planalto.
De seu lado, Ramos acena com a possibilidade real de analisar os pedidos de impeachment de Bolsonaro já protocolados na Casa. Ele não está só em seus movimentos.
Também alvo recorrente do presidente e de seus aliados, o senador Omar Aziz (PSD/AM), que comanda a CPI da Covid e foi chamado “carinhosamente” por Bolsonaro de “anta da Amazônia”, manda veementes recados para o Planalto. As investigações em curso certamente aumentarão a pressão sobre o governo nas próximas semanas.
Nomes importantes do Centrão, hoje o principal aliado do presidente da República, não escondem mais a insatisfação com a postura política de Bolsonaro. Eles se somam a muitos outros grupos críticos ao Planalto. O ambiente, já esgarçado, caminha a passos largos para um rompimento. Algo se move em Brasília.
André Pereira César
Cientista Político
Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico