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Governo Bolsonaro, ano um

Prestes a completar seu primeiro ano no comando da nação, o presidente Jair Bolsonaro tem pouco a comemorar e muito com o que se preocupar. Em linhas gerais, os resultados da administração não chegaram nem perto das promessas de campanha e a sua capacidade de gestão tem sido diariamente questionada.

No plano da política, o ano teve início com o afastamento de nomes relevantes do primeiro escalão, como os ministros Santos Cruz e Gustavo Bebianno, além do presidente do BNDES, Joaquim Levy. Peças importantes no jogo do poder, deixaram lacunas que não foram supridas à contento.

Ainda no âmbito da política, a relação do Planalto com os partidos é errática. Aqui fica bem claro o “estilo Bolsonaro” de administrar. Ao priorizar o relacionamento com grupos setoriais dentro do Congresso Nacional, em detrimento das bancadas partidárias e suas lideranças formais, Bolsonaro é o primeiro presidente, desde a redemocratização, que tenta governar sem uma base parlamentar. Por isso é que detém, atualmente, o maior número de vetos derrubados, medidas provisórias caducadas e decretos rejeitados. Ao longo desse primeiro ano, o presidente ficou exposto e muitas vezes refém de interesses específicos do Parlamento, em especial dos três Bs - bala, Bíblia e boi.

Por conta da opção em não formar uma base parlamentar, é importante ressaltar que as matérias de autoria do Executivo que acabaram aprovadas só ocorreram porque deputados e senadores assim quiseram e de acordo com os seus próprios interesses. O governo Bolsonaro pouco conseguiu fazer sob a liderança dos deputados Major Vitor Hugo e Joice Hasselmann.

Como consequência imediata dessa realidade, ganhou peso político a figura do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), que foi de fundamental importância para a aprovação da reforma da Previdência, por exemplo. Sem ele, que contou com o apoio do grupo de partidos do Centrão, seria pouco provável o êxito da matéria. Mais ainda, em muitos momentos ao longo da tramitação da proposta, o governo mais atrapalhou do que contribuiu para as discussões. Mérito de Maia, ao final do processo.

Quanto às demais reformas, o governo igualmente tem pouco a comemorar. A administrativa ficou no mínimo para 2020 - isso caso ela seja realmente apresentada, dada a pressão contrária. A tributária, que é de autoria do Parlamento, diga-se, sequer contou com a participação do governo nas articulações junto aos setores econômicos, governos estaduais e municipais. E mesmo com a participação do ministro Paulo Guedes na criação de uma comissão mista composta por deputados e senadores, para construção de um texto de consenso, a participação do governo na reforma tributária continuará sendo mínima, pelo simples fato de que essa iniciativa partiu dos presidentes das casas legislativas. Da mesma forma a MP que criou o Programa Verde e Amarelo, que corre o sério risco de perder a validade.

Na economia, a reação geral foi tímida. O PIB deverá crescer pouco acima de 1%, enquanto o desemprego segue elevado e o dólar assiste a uma escalada em comparação com o real. A população continua perdendo renda e a informalidade impera. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não fez jus ao apelido de “Posto Ipiranga”.

No plano internacional, o saldo também não foi positivo. Polêmicas com outros governos marcaram boa parte do ano - como exemplo, citemos apenas França, Alemanha e Noruega, por conta de nossa política ambiental. Por outro lado, o realinhamento com os Estados Unidos de Donald Trump não gerou os frutos esperados. Ao contrário, a decisão de Trump de sobretaxar nosso aço e alumínio, o não cumprimento da promessa de inclusão do Brasil na OCDE e a manutenção do veto à carne bovina in natura brasileira após a desastrosa operação carne fraca, da Polícia Federal, apenas reforçam a fragilidade da política externa brasileira. O Itamaraty poucas vezes teve tão pouco prestígio.

O viés autoritário e ideológico aos poucos implementado pelo Planalto ao longo desse ano também merece destaque. As públicas declarações do presidente Bolsonaro, de seu filho Eduardo Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre uma possível volta do AI-5 incomodaram a muitos. Tanto que o GIFE – Grupo de Institutos Fundações e Empresas, que é composto pelos mais diversos setores do mundo produtivo brasileiro – chegou a emitir uma nota oficial demonstrando preocupação com o viés autoritário do presidente Bolsonaro e de membros dos primeiros escalões da atual administração e seus impactos para a economia.

As políticas sociais são outro exemplo do difícil momento pelo qual atravessa o país. Saúde e educação seguem em baixa, com poucos recursos disponíveis e o desmonte de programas que estavam implementados há anos, além de declarações estapafúrdias do ministro Abraham Weintraub, que comanda a Educação. Quem paga a conta é justamente a população mais pobre, que depende muito desses serviços.

No campo dos valores e da cultura, foi forte a guinada conservadora. O exemplo mais acabado dessa realidade talvez seja a ministra Damares e sua agenda ultra-conservadora, com a defesa de valores familiares que não condizem com a dinâmica do século XXI.

Quem segue relativamente bem, mesmo com alguns percalços, é o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Apesar de ter seu pacote anticrime desidratado pelos parlamentares, o ministro segue com prestígio em alta. Segundo a mais recente pesquisa do DataFolha, ele é mais popular que o presidente Bolsonaro - fato que começa a incomodar o núcleo duro do Planalto.

Claro que há espaço para uma recuperação da atual administração. No momento, Bolsonaro segue favorito à reeleição em 2022, apesar dos muitos erros. Isso se deve, em larga medida, à divisão e falta de projeto da esquerda, às indefinições do Centrão e à fragmentação da centro-direita, que tem muitos nomes mas pouca consistência política. Bom para o atual presidente.

Estamos às portas de 2020 e um choque de profissionalismo se faz necessário para uma mudança geral no quadro. Menos família Bolsonaro, menos Olavo de Carvalho e mais foco em medidas consistentes e de acordo com a seriedade que se exige. Não há espaço para amadorismo e o tempo corre contra o presidente.

Ainda mais porque, no próximo ano, entra em vigor a obrigatoriedade do pagamento das chamadas emendas impositivas.

O Congresso Nacional aprovou na última semana o Projeto de Lei nº 51, que torna obrigatório o pagamento das emendas empenhadas ao orçamento por comissão permanente do Senado, da Câmara e do relator-geral da proposta orçamentária.

Importante lembrar que, em 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, articulou a aprovação de uma Emenda Constitucional que determinava a obrigatoriedade da execução para as emendas individuais, a chamada emenda impositiva. Agora, em 2019, o Congresso Nacional estendeu essa obrigatoriedade também para as emendas de bancada.

Trocando em miúdos, o governo Bolsonaro, a partir do próximo ano, fica obrigado a executar os empenhos orçamentários das emendas individuais, coletivas, das comissões permanentes da Câmara e do Senado, e também do relator-geral da peça orçamentária.

Para 2020, cada parlamentar poderá empenhar para sua base eleitoral a quantia de R$ 15 milhões, que serão destinados para estados e municípios. Esses recursos serão destinados para cobrir gastos com educação, saúde, saneamento básico, instraestrutura, etc.. A diferença é que agora a execução dessas demandas, que eram discricionárias, passou a ser obrigatória.

Mesmo assim, o governo ainda poderá contingenciar recursos, na hipótese de déficit fiscal e da efetiva necessidade de reajustamento das contas públicas. A diferença agora é que esse contingenciamento deverá ser linear e terá que atingir todos os outros recursos previstos no orçamento, ou seja, não poderá ser discricionário e impactar apenas as emendas parlamentares, como ocorria anteriormente.

Só que, diferente de 2015, quando esse movimento foi utilizado por Eduardo Cunha, com o apoio do Centrão para enfraquecer o governo Dilma, essa nova realidade orçamentária possui contornos distintos no campo da política. Foi o fortalecimento e protagonismo do Legislativo frente a um Planalto sem forças dentro do Congresso, que possibilitou a aprovação do projeto de lei nº 51.

O poder de “barganha” do Governo Federal foi sensivelmente diminuído. O eixo vai mudar. Se antes governadores e prefeitos perambulavam pelo Executivo em busca de recursos, agora será o Congresso o destino de quem quer dinheiro.

Por fim, a aprovação das novas diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2020 pelo Congresso Nacional bate de frente com as propostas defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que queria a plena desvinculação do orçamento da União. Em outras palavras, Guedes pretendia gastar, de forma discricionária, 100% das receitas orçamentárias. Em vez disso, aproveitando a oportunidade, o Congresso tomou para si essa prerrogativa e passará a ser quem definirá, daqui para frente, onde o governo Bolsonaro deverá investir. O poder não comporta vácuo.

A má relação entre o Governo Federal e o Congresso Nacional fica cada vez mais evidente.

André Pereira César

Cientista Político

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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