Um zero a zero clássico. Em linhas gerais, esse foi o saldo final da aguardada entrevista do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Jornal Nacional, da TV Globo, na noite de segunda-feira, 22 de agosto. Em quarenta minutos, ele repetiu o discurso de sempre. Os apoiadores seguem apoiando, enquanto a oposição mantém o tom crítico ao titular do Planalto, e os indecisos também não foram afetados. Nenhum voto perdido ou conquistado.
De certo modo, o formato do programa ajudou Bolsonaro. Os dois entrevistadores tentaram explorar as contradições do presidente, que dava suas respostas padrão - negativas e saídas pela tangente, sempre mantendo o controle. Tentou vencer pelo cansaço.
Com relação aos assuntos abordados, nenhuma novidade. Entre os principais temas, o sistema eleitoral, as urnas eletrônicas e os ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); o papel do governo no combate à pandemia; e o aparelhamento da Polícia Federal (PF).
Bem a seu estilo, ele deu negativas para diversos questionamentos mais polêmicos. Por exemplo, afirmou não existir qualquer tentativa de aparelhamento ou interferência na PF, mas que tentou reestruturar a carreira. Sobre as eleições, ele disse que respeitará o resultado do pleito, “desde que sejam limpas”. Ou seja, mantém o tom de ameaça no ar.
Além disso, ele defendeu a aliança com o Centrão (a chamada “nova política” definitivamente virou coisa do passado) e considera “liberdade de expressão” quando seus apoiadores se manifestam a favor do fechamento do Congresso Nacional. Essa última colocação é Bolsonaro em estado puro, terceirizando uma posição que ele próprio apoia.
Referência política do titular do Planalto, o ex-presidente norte-americano Donald Trump involuntariamente apareceu na entrevista. O fato deu-se no momento em que Bolsonaro negou ter imitado uma pessoa com falta de ar em um vídeo. Fake. Mais de um vídeo com esse conteúdo circulou durante a pandemia. A “pós-verdade” trumpista deu as caras em pleno horário nobre da TV brasileira.
Agora, será importante observar como governo e oposição trabalharão a entrevista junto ao eleitorado. Nas redes sociais, a batalha começou ainda durante o programa. #GloboLixo e #ForaBolsonaro dominaram o Twitter. Nas ruas, em especial nas grandes cidades, escutou-se o barulho de panelas - ainda de forma tímida, diga-se. O fato é que as eleições começaram.
Para concluir, uma ironia. Graças ao presidente da República, o Jornal Nacional registrou uma audiência que há tempos não alcançava. Um dos principais alvos das críticas e ataques dos bolsonaristas, a Rede Globo agradece e comemora.
André Pereira César
Cientista Político
