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CPI da Covid: modo de usar

Passadas duas semanas de oitivas com atuais e ex-integrantes do governo, além do representante do laboratório Pfizer, a CPI da Covid já dispõe de um roteiro claro a ser seguido. A evolução das investigações é desfavorável ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), fragilizado diante dos fatos expostos e com uma tropa de choque ineficaz no colegiado.

Indicação de medicamentos sem eficácia comprovada - o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) afirmou que um grupo de pessoas próximas a Bolsonaro, chamado “ministério paralelo”, chegou a apresentar diretamente ao presidente a minuta de um decreto, em papel não timbrado, com o objetivo de determinar que a Anvisa mudasse a bula da cloroquina para que o medicamento passasse a ser recomendado no tratamento da Covid-19. O projeto foi abortado porque o presidente da agência, Antônio Barra Torres (que confirmou a história), não aceitou as alterações.

Omissão na aquisição de vacinas - a já famosa carta da Pfizer ao governo brasileiro, encaminhada em setembro do ano passado, alertava para a urgência da negociação em torno da compra de vacinas. Por dois meses, a correspondência foi ignorada por Bolsonaro, pelo vice Hamilton Mourão, pelos ministros da Saúde e da Economia e por outras autoridades. Medidas efetivas ocorreram somente meses mais tarde. O ex-secretário de Comunicação Social Fábio Wajngarten levantou o assunto, que foi confirmado em detalhes pelo representante da Pfizer, Carlos Murillo.

Ministério paralelo - em seu depoimento, o ex-ministro Mandetta afirmou que Bolsonaro era aconselhado por uma espécie de “ministério paralelo”, que interferia diretamente nas decisões da pasta. A informação foi confirmada pelo representante da Pfizer, que inclusive relatou a presença do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos/RJ) em reunião com o laboratório no Palácio do Planalto. A pergunta salta aos olhos - qual a relação do filho do presidente com a aquisição de vacinas? O vereador, por sinal, deverá ser convocado pela CPI.

Ernesto Araújo na CPI - a presença do ex-ministro das Relações Exteriores, assim como fez o ex-secretário de comunicação Fábio Wajngarten, deixará exposto o chamado “núcleo ideológico” do governo. Araújo, em função dos ataques ao governo chinês, é apontado por muitos como um dos corresponsáveis pelo atraso na aquisição de vacinas. Tido como pouco articulado, sua capacidade de convencimento será testada junto aos senadores. O depoimento do ex-ministro pode revelar novas e inconvenientes verdades no que diz respeito às diretrizes da política externa brasileira.

Eduardo Pazuello na CPI - “arquivo vivo” do governo no que diz respeito à pandemia, o ex-ministro da Saúde pode se tornar um “homem-bomba”, ainda mais por conta da famosa frase “um manda e o outro obedece”. Esse fato explica o receio do Planalto com a presença de Pazuello na comissão. Ele já conseguiu adiar uma vez o depoimento e, caso não consiga o habeas corpus preventivo, poderá tentar nova remarcação de data. As declarações do general podem ser decisivas para o rumo das investigações e, no limite, complicar de vez a vida não só de outros membros do governo federal, mas, em especial, a do titular do Planalto.

Considerações finais - a rigor, as informações já em mãos da CPI seriam suficientes para a elaboração de um relatório final sólido, apontando a desastrosa atuação do governo federal no combate à pandemia. Certamente os integrantes do colegiado, em especial o relator, senador Renan Calheiros (MDB/AL), têm noção desse fato. A partir de agora, há o risco real de as investigações perderem parte do foco em função de embates puramente políticos, com o envolvimento direto da família Bolsonaro.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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