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Civilização e barbárie – parte 2

No dia 3 de junho último, publicamos nesse espaço o artigo “Brasil 2022: civilização e barbárie”, no qual falávamos da crescente violência no país. Pouco mais de um mês depois, o quadro geral não mudou. Pior, o ambiente está ainda mais tenso, com ameaça real à democracia em nosso país. Vivemos tempos estranhos e sombrios.

O assassinato de Marcelo Arruda, filiado ao PT e tesoureiro do partido em Foz do Iguaçu (PR), representa um corte na campanha sucessória. O autor do crime, um militante bolsonarista, sintetiza o estado geral das coisas - disseminador do ódio, que enxerga o outro lado como “inimigo” (e não adversário), que prega os valores da família mas defende o uso indiscriminado de armamentos.

Na verdade, é inegável que o Brasil enfrenta uma escalada da violência - as mortes do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira na Amazônia, tentativa de intimidação em eventos promovidos pelo PT, ataque ao automóvel do juiz responsável pela ordem de prisão preventiva do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, tiro contra a redação do jornal Folha de São Paulo, tudo em poucas semanas. Anormal é a palavra de ordem.

Não se pode simplesmente apontar a polarização política como responsável pelo quadro. Na história do Brasil sempre houve polarização (em graus distintos, claro), como no período de embate entre o PT e PSDB. O que ocorre hoje é algo distinto, fora das regras do jogo democrático - e muito perigoso para a sociedade e para os destinos da nação.

Com tudo isso, cresce a especulação em torno de uma possível “virada de mesa”, com a consequente suspensão das eleições de outubro. Em artigo publicado domingo, 10 de julho, nos jornais Folha de São Paulo e O Globo, o jornalista Elio Gaspari alerta para o início da “temporada da magia negra”. Segundo ele, o clima de instabilidade no país atingiria o ápice a partir de 7 de setembro, Semana da Pátria. Nesse momento, “vozes pacificadoras” defenderiam o adiamento do pleito, com a votação de uma emenda constitucional. Junto com ela, todos os mandatos - parlamentares, governadores e presidente da República - seriam prorrogados. Um golpe branco.

A avaliação do jornalista, certamente embasada em informações qualificadas de bastidor, ganha força ao se olhar o comportamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seu staff militar - Braga Netto, o ministro da Defesa e os comandantes das três Armas, entre outros. Os recorrentes ataques às urnas eletrônicas têm como objetivo desacreditar o sistema eleitoral e, além disso, mantém o eleitor bolsonarista mobilizado. Tudo deságua em mais violência, em um processo que se retroalimenta.

Mais um tempero nesse caldeirão. Há o temor, já externado por integrantes da cúpula do Judiciário (e também por outros atores políticos), de que algo similar ao ocorrido em 6 de janeiro de 2021 no Capitólio, em Washington, aconteça por aqui. Trocando em miúdos, a eleição não será encerrada no primeiro ou no segundo turno. A transição, em caso de derrota de Bolsonaro, será acidentada. Riscos permanentes no horizonte.

Em suma, a campanha que terá início oficial muito em breve será um difícil teste para a resiliência de nossa ainda jovem (e eternamente frágil) democracia. Caso não ocorra uma drástica correção de rota, o Brasil correrá o sério risco de ingressar em um cenário de conflito como jamais visto.

André Pereira César
Cientista Político

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