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China: dias de fúria

Do outro lado do planeta, na China, os dias têm sido de tensão em elevação. A população sai às ruas em protesto contra a política de covid zero instituída pelo governo de Xi Jinping. Nem mesmo a força do Estado está sendo capaz de demover os chineses da mobilização. Não é caso de comparação, mas torna-se inevitável lembrar dos eventos ocorridos na Praça da Paz Celestial, em Pequim, no já longínquo ano de 1989.

“Vidas primeiro”, esse é o slogan do Partido Comunista Chinês. Desobediência civil, a reação popular. Pior, as manifestações ocorrem inclusive nas maiores e mais importantes cidades do país, como Pequim e Xangai. Por ora, a repressão policial não tem surtido efeito.

Aos fatos. Na última quinta-feira, 24 de novembro, em Urumqi - capital da província de Xinjiang - um incêndio num prédio residencial vitimou dez pessoas. Um lamentável acidente que poderia ter passado despercebido pela comunidade internacional, não fosse o fato de ter começado, nas redes sociais, a circular boatos de que os moradores daquele edifício foram impedidos de deixar suas residências devido a política de covid zero implementada, desde agosto, pelo governo chinês. Os rumores são de que as saídas de emergência estavam lacradas, o que não tem sido incomum numa tentativa de desencorajar a quebra do lockdown por parte da população, e que, devido a esse fato, impediu os primeiros-socorristas de chegar rapidamente no local.

Na sexta-feira, 25 de novembro, sobre essa tragédia, o governo local se pronunciou negando que a política de covid zero tenha sido a causa das mortes, mas sim a falta de preparo dos próprios moradores com relação às situações de emergência.

A população de Urumqi, não só frustrada com a resposta do governo local, mas também com as políticas de mitigação do covid 19, tomou as ruas em protesto, clamando por mudanças. Os vídeos das manifestações se espalharam pelas redes sociais, apesar do estrito controle governamental sobre as mesmas, e no sábado, 26 de novembro, os protestos começaram em Xangai. No dia seguinte, os protestos se espalharam e atingiram outras cidades, em diferentes províncias chinesas – dez no total: Urumqi, Chengdu, Dali, Xian, Wuhan, Pequim, Nanjing, Xangai, Changha e Guangzhou.

Ante o aumento das manifestações, na última segunda-feira, 28 de novembro, governos locais chegaram a diminuir algumas das restrições, mas o governo chinês tomou novas medidas de contenção dos protestos, como o aumento no número de policiais nas grandes cidades e o controle rígido das redes sociais, incluindo a deletação de posts. Isso não quer dizer, no entanto, que os protestos vão diminuir ou que a revolta da população tenha sido apaziguada.

Grande parte desse descontentamento pode ser explicado pelas características da política de covid zero implementada pelo governo chinês ainda no começo da pandemia em janeiro/fevereiro de 2020. O governo chinês implementou regras bastantes restritivas para evitar o colapso do sistema de saúde, já que ainda não havia a perspectiva de vacinas. As principais medidas adotadas, desde então, foram os testes diários e a obrigatoriedade, para aqueles que, de alguma forma precisavam sair de casa, de atrelar o resultado do teste à um QR Code, necessário para entrar em estabelecimentos e no transporte público. Quando um caso de covid era detectado numa determinada região, ela automaticamente entrava em lockdown e locais de trabalho, comércios e escolas eram fechados – a única exceção eram os supermercados. A estimativa é de que atualmente perto de 400 milhões de pessoas possam estar em algum tipo de quarentena, o que tem impactado profundamente a produtividade não só do comércio, mas também das indústrias e a economia chinesa como um todo.

Importante frisar que a política de covid zero foi muito elogiada e considerada efetiva quando comparada com as estratégias tomadas por outros governos durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19. No entanto, após efetivos dois anos de incertezas e lockdowns repentinos, a população chinesa tem ficado impaciente com as rígidas medidas adotadas pelo governo de Xi Jiping, o que tem resultado em impactos negativos sócio-econômicos.

Isso se deve em grande parte à imprevisibilidade dos lockdowns impostos, da falta de transparência do governo em relação à duração do isolamento social, aos eventos recentes, e especialmente à falha catastrófica da política de covid zero.

Para se ter um exemplo, em fevereiro de 2022, uma onda de covid atingiu a cidade de Xangai, fazendo com que do dia para a noite, durante dois meses, mais de 25 milhões de pessoas tivessem que ficar isoladas, muitas das quais reclamaram da impossibilidade de se adquirir alimentos e remédios durante esse tempo.

Em setembro desse ano, na província de Changdu, houve um terremoto que levou a óbito 45 pessoas. No meio do caos, pessoas foram impossibilitadas de deixar suas casas para procurar abrigo devido à política de covid zero. Esses e outros eventos desde então, demonstram a falta de transparência do governo chinês para com a população, que fica a mercê das políticas públicas implementadas.

Atualmente, a principal crítica é à política de covid zero. Enquanto o resto do mundo tinha crescentes e constantes ondas de infecções, a China, por muito tempo, foi capaz de evitá-las. No entanto, a situação se inverteu nos últimos meses. Devido a campanhas de vacinação bem-sucedidas, visões como uma copa do mundo na qual pessoas assistem jogos sem máscara não só são possíveis como são um contraste forte com a maior onda de covid já vista na China.

Enquanto o resto do mundo apostava em campanhas de vacinação, na construção de leitos de UTI e num gradual relaxamento das regras de distanciamento social, a China tomou o caminho contrário focando em isolamentos sociais, quarentenas, testagem em massa numa clara tentativa de erradicação do vírus. O grande consenso é de que o governo subestimou o descontentamento da população com as políticas adotadas, o que culminou nos protestos deste final de semana em grande parte do país.

Apesar da insatisfação popular ter culminado em protestos contra a política de covid zero, importante ressaltar que esses protestos se diferenciam, agora, em dois pontos principais. O primeiro é que eles, pela primeira vez, foram coordenados e de âmbito nacional. Antes, os protestos se restringiam a cidades ou regiões específicas do país, e focavam em questões pontuais e específicas do regime de covid zero. Agora, os protestos deste final de semana aconteceram não só no país todo, mas também se opuseram à política de covid zero como um todo.

O segundo ponto de diferença foi o caráter político demonstrado por alguns dos participantes. Munidos de folhas em branco, e espelhando os protestos políticos pela liberdade de expressão na ilha de Hong kong no ano passado, alguns dos participantes dos protestos pediam pela resignação do Presidente Xi Jiping, pela inabilidade de conduzir uma política efetiva de saúde pública que achatasse a crescente onda de casos das últimas semanas.

A insistência do governo para com a continuação da política de covid zero se deve, principalmente, à associação do presidente Xi Jiping com a mesma. Era esperado que, no Congresso do Partido Comunista Chinês em outubro, novas medidas com o objetivo de aliviar as restrições fossem anunciadas, mas, no entanto, isso não se concretizou.

Agora, com novos desafios à frente, o governo pode continuar a insistir nessa política ou, gradualmente, mudar a sua posição. Esta última se mostra como um desafio devido a posições tomadas previamente pelo Partido Comunista Chinês. A baixa taxa de vacinação da população idosa (menos de 60%, e entre os com mais de 80 anos não alcança 40%), a baixa taxa per capita de leitos de UTI (especialmente em regiões rurais), e a baixa eficiência de vacinas chinesas contra as novas variantes de covid (aliado à recusa de importação de vacinas estrangeiras) são todos fatores que poderiam levar ao colapso do sistema de saúde chinês e se apresentam como desafios na já frágil política de saúde pública chinesa durante a pandemia. Agora, resta saber como o Partido Comunista Chinês vai lidar com o crescente número de casos de covid a fim de evitar um maior número de óbitos e protestos e os seus impactos diretos na economia.

Para concluir, é interessante notar o momento atual dos atores que comandam o planeta. A Rússia atolada na guerra da Ucrânia, a Europa sofrendo com a possível escassez de energia durante o inverno que se inicia, os Estados Unidos da América divididos em função do trumpismo e, agora, a China enfrentando protestos em casa. Tempos estranhos que num futuro não muito distante poderão afetar os rumos da política e da economia do novo governo brasileiro, que assumirá em 1º de janeiro de 2023.

Alan Maimoni
Estudante de Graduação em Relações Internacionais na Universidade Nacional de Seul

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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