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Primeiros 100 dias do governo Lula: as três semanas iniciais

Já era sabido, desde a transição, que o início do novo governo não seria fácil. Os primeiros dias seriam marcados por dificuldades em todas as áreas, dado o quadro geral encontrado. Os eventos de 8 de janeiro, o “Capitólio tupiniquim”, pioraram tudo. Ao final da terceira semana da gestão Lula 3, alguns movimentos merecem atenção especial.

Economia - o chamado “tripé” da economia (Fernando Haddad na Fazenda, Simone Tebet no Planejamento e Geraldo Alckmin na Indústria e Comércio) tenta passar uma imagem de sintonia e de responsabilidade fiscal. Para tanto, o grupo tem defendido uma agenda em comum, com a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal como carros-chefe. Os agentes econômicos, porém, seguem cautelosos, preocupados em especial com a falta de detalhamento em torno das medidas. Mesmo sem a tomada de nenhuma medida extrema, o dólar e a bolsa ainda continuam instáveis.

Banco Central - no campo da economia, chamaram a atenção as declarações do presidente Lula (PT) qualificando a autonomia do Banco Central como uma “bobagem” e questionando as metas de inflação. Esse discurso não caiu bem e, no limite, cria um ambiente de estranhamento entre a equipe econômica e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. As declarações de Lula tendem a criar um ambiente de incertezas quanto a indicação do novo presidente do Banco Central em 2025.

Segurança pública - os eventos de 8 de janeiro ainda geram ruídos no país. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República, endureceu com os manifestantes, decretando centenas de prisões preventivas. A busca agora é pelos responsáveis, patrocinadores e idealizadores dos atos golpistas. O receio de todos é o de que o ocorrido em Brasília se repita em outros pontos do Brasil, mantendo a democracia em xeque.

Militares - talvez o maior nó do início do atual governo seja a questão militar. A caserna segue emitindo sinais ambíguos, em especial o Exército. Não por acaso, o Planalto decidiu exonerar o Comandante da Força, general Júlio César de Arruda, substituído pelo general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. O afastado mantinha boas relações com apoiadores de Bolsonaro, como o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. O certo é que outras exonerações ocorrerão, como a do tenente-coronel Cid, que foi nomeado, no apagar das luzes do governo Bolsonaro, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, com sede em Goiânia. A sua nomeação deverá ser revista a pedido de Lula, aumentando a pressão sobre o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que já balança no cargo.

Política externa - a viagem de Lula a Buenos Aires e as reuniões com diversos líderes da região marcam oficialmente o retorno da diplomacia presidencial, que andava esquecida nos últimos anos. O titular do Planalto visitará em breve os Estados Unidos, e depois Portugal e China. Lula precisa aproveitar ao máximo o atual prestígio - esse capital político tende a se esgotar ao longo do tempo, mesmo entre as lideranças internacionais.

Educação/ciência e tecnologia - a recente reunião entre os ministros da Educação, Camilo Santana, de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, e reitores de universidades federais, com a presença de Lula, teve forte impacto simbólico. Com o evento, o governo sinalizou que um novo tempo de inicia para o setor, sucateado na gestão anterior. Dada a precária situação das contas públicas, aos envolvidos na área será necessária muita habilidade para abordar os múltiplos problemas.

Câmara dos Deputados - governo e oposição ainda tateiam o terreno político no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, muitas dúvidas e cobranças - por exemplo, a bancada do União Brasil está insatisfeita com os indicados por Lula para representar o partido no ministério e já se declara independente. A provável recondução de Arthur Lira (PP/AL) à presidência da Casa e a distribuição de postos estratégicos podem, de algum modo, serenar os ânimos.

Senado Federal - o senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG) segue favorito na disputa pela presidência da Casa, mas Rogério Marinho (PL/RN), bolsonarista de primeira hora, ganha força. Uma eventual vitória da oposição trará sérios problemas para o governo - nesse cenário, a agenda do Planalto correrá riscos de monta. Nunca é demais lembrar que a aprovação de indicação de autoridades pelo governo é feita pelo Senado Federal.

Governadores - a primeira reunião de Lula com os governadores (todos participaram) foi uma demonstração de força do novo presidente e teve como principal resultado o estabelecimento de uma espécie de pacto político do Planalto com os estados, em especial para defesa da institucionalidade e da democracia. Como se sabe, esse quadro tende a mudar a médio prazo, e chefes de governos estaduais como Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP) e Romeu Zema (Novo/MG), potenciais candidatos à sucessão presidencial, certamente partirão para uma oposição aberta ao petista.

Considerações finais - as três semanas iniciais do novo governo serviram para se começar a entender o estado geral das coisas. Muito há a ser feito, e tempo é um artigo em falta para o Planalto.

André Pereira César

Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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