Terra em transe - Linha de Pensamento - Hold

Terra em transe

Por todo o globo, diversos eventos estão levando a uma espécie de nova ordem mundial, se é que assim se pode nominar. Guerra na Ucrânia, acirramento do conflito entre os Estados Unidos e a China, crise financeira, tudo ao mesmo tempo. O Brasil, é claro, sente os efeitos desse quadro e o novo governo precisa agir no sentido de se adaptar a essa realidade.

A invasão da Ucrânia pela Rússia completou um ano e não há qualquer sinal de entendimento entre as partes para o encaminhamento de uma solução pacífica. Pelo contrário, Vladimir Putin mostra-se irredutível em seu objetivo de conquistar o leste ucraniano, enquanto o Ocidente segue municiando Kiev com dinheiro e armas. No limite, trata-se de um conflito terceirizado entre a OTAN e Moscou. Há o risco real de que a guerra saia de controle, com a possibilidade inclusive do uso de armas nucleares táticas.

Por sinal, a queda de um drone norte-americano no Mar Negro elevou a tensão na região. Washington acusa os russos pela derrubada da aeronave e fala em retaliação, e Putin responde que ela caiu sozinha - e estaria no espaço aéreo daquele país. Há tempos as relações entre as duas nações não ficavam tão desgastadas.

De certo modo, a situação na Europa estimulou a China a tentar tomar o controle de Taiwan, movimento que o governo norte-americano não aceita em hipótese alguma. Pior, as duas potências vivem um momento tenso, com acusações de lado a lado e a adoção de uma retórica quase belicista. Dias atrás, o presidente chinês Xi Jinping afirmou que o país se transformará em uma “muralha do aço” para defender a soberania nacional - cabe lembrar que o governo daquele país anunciou aumento expressivo dos gastos militares, em mais uma demonstração de força. Guerra fria versão século XXI turbinada.

A China também reforça sua posição na diplomacia global. Mediados por Pequim, Irã e Arábia Saudita selaram um acordo que, a princípio, restabelece as relações entre os dois países após um longo período de fricções. Na verdade, o governo chinês aproveitou-se do vácuo diplomático deixado pelos Estados Unidos para entrar em ação. Má notícia para Israel, que tem nos iranianos um grande e poderoso inimigo.

Na Europa Ocidental, França e Reino Unido atravessam um momento de turbulências e agruras. O presidente Emmanuel Macron enfrenta forte resistência da população à sua reforma da Previdência, que avança no Parlamento - as imagens do lixo não coletado nas ruas de Paris sintetizam a situação. Na terra do Rei Charles III, vive-se uma pré-recessão, com crescimento próximo do zero e inflação em dois dígitos. A onda de greves por melhores salários foi inevitável, em especial entre os trabalhadores dos setores de transportes e saúde. Prateleiras vazias são a nova realidade. O Brexit cobra sua fatura.

A quebra de dois bancos de médio porte nos Estados Unidos reavivou o fantasma da crise do subprime, em 2008 - a chamada “Grande Recessão”. O governo agiu rapidamente para tentar conter os danos e o aumento da desconfiança, mas as incertezas ainda são muitas. O receio é o de que os problemas com as instituições financeiras se espalhem, gerando pânico global. Não por coincidência, o Credit Suisse sofreu forte abalo no valor de suas ações em muito por ter identificado fraquezas significativas na divulgação de resultados financeiros dos últimos anos em função de controles internos ineficientes. O banco suíço já vinha enfrentando uma crise de desconfiança desde meados de 2022.

Por fim, na América do Sul, a Argentina enfrenta grave crise econômica, com inflação superando os três dígitos, a maior em mais de trinta anos. O Peru segue com sua sistêmica crise política, pulando de presidente em presidente, e os governos de esquerda do Chile e da Colômbia são questionados por importantes setores da sociedade. Os vizinhos também sofrem.

Em Brasília, em meio a uma agenda complexa e a um processo de reconstrução do Estado, o novo governo precisa se adequar ao cenário mundial. Definitivamente, o presidente Lula (PT) encontrou um cenário absolutamente distinto do de seus dois primeiros mandatos. Hoje, os desafios são hercúleos e, em alguns casos, de difícil superação.

André Pereira César

Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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