Rodrigo Maia e o início do semipresidencialismo - Linha de Pensamento - Hold

Rodrigo Maia e o início do semipresidencialismo

Tornou-se lugar comum apontar o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), como o criador de um novo modo de relacionamento com o Planalto. A suposta “novidade”, no entanto, teve início muito antes, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB), mais precisamente em 2017.

Aos fatos. Afastada Dilma Rousseff (PT), o emedebista, desde a sua posse, contava com o apoio dos mundos político e econômico, com plenas condições de realizar uma gestão exitosa. No entanto, em 17 de maio de 2017, veio à público uma conversa pouco republicana entre o presidente Temer e o empresário Joesley Batista, um dos sócios do grupo JBS, que acabou gerando uma violenta crise no governo. De imediato, Temer cogitou seriamente em renunciar, mas acabou demovido por seus dois principais auxiliares palacianos, Eliseu Padilha (MDB/RS), ministro Chefe da Casa Civil, e Moreira Franco (MDB/RJ), ministro Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Aqui entra o então deputado federal, Rodrigo Maia (ex-União/RJ, atualmente no PSD), genro de Moreira, que havia sido recém-eleito à presidência da Câmara dos Deputados após acirrada disputa contra o deputado Rogério Rosso (PSD/DF). Maia, ciente de que Temer havia perdido todo o capital político, aproveitou a oportunidade e mudou as relações com o Planalto. A partir desse momento, com a anuência e incentivos de Padilha e Moreira Franco, fez o Congresso como um todo fazer avançar sua própria agenda, enquanto o presidente da República tornava-se uma figura meramente decorativa. O jogo havia mudado. Uma espécie de semipresidencialismo havia sido informalmente instalada.

Projetos como a Reforma Trabalhista e o Teto de Gastos foram tocados e aprovados ao gosto do Parlamento. O Executivo nada ou pouco pôde fazer durante o processo de discussão desses projetos, mesmo contando na liderança do governo com o experiente e habilidoso deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB). No final, aprovou-se o que os parlamentares entenderam ser o melhor, à revelia das vontades e interesses do Executivo.

A mesma rotina se observou ao longo dos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL/RJ). A eleição de Rodrigo Maia para comandar a Câmara por mais dois anos, aliado ao fato de que Bolsonaro preferiu abrir mão de uma base, acabou ajudando a amplificar esse mecanismo. A Reforma da Previdência, talvez a mais importante reforma aprovada durante o governo Bolsonaro, foi integralmente tocada por deputados e senadores. Tanto que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, e o próprio Bolsonaro em algumas ocasiões tornaram públicas manifestações contra o projeto de Reforma da Previdência por não contar integralmente com o apoio popular.

Com o advento da pandemia da Covid-19, o poder do Parlamento (Câmara e Senado), nas figuras de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (União/AP), ficou ainda maior. Projetos como a PEC Emergencial e demais matérias relacionadas ao combate à pandemia e socorro financeiro à população, estados e municípios foram aprovados tendo o governo apenas como espectador de luxo. Bolsonaro e Guedes ainda tentaram esboçar alguma reação ou interferência, ou até mesmo tentando surfar na onda, mas o que se viu foi um Parlamento trabalhando sem se preocupar com o Poder Executivo. A distribuição de verbas do orçamento aos deputados e senadores ganha força e a “independência” se concretiza.

E essa força e independência “conquistadas” pelos parlamentares com Rodrigo Maia nos idos de 2017, é tão significativo que o senador Alcolumbre, após se despedir do comando da Casa e já como presidente da Comissão de Constituição e Justiça, segurou a sabatina de um indicado ao Supremo Tribunal Federal por mais de quatro meses, até ver atendidas as suas demandas. Colocou, literalmente de joelhos, o governo do "mito" Jair Bolsonaro.

A chegada de Lira ao comando da Casa, em substituição a Rodrigo Maia, que comandou a Câmara por mais de cinco anos ininterruptamente, apenas agudizou esse quadro. Durante os dois últimos anos da gestão de Jair Bolsonaro (PL) e agora, no início do governo Lula (PT), o que se viu e se vê é um Parlamento mais autônomo em relação ao Executivo, com plenas condições e forças para fazer valer sua agenda. Ao governo resta negociar matéria a matéria, muitas vezes sem sucesso.

Assim, mudanças que o Planalto pretende implementar no marco legal do saneamento, por exemplo, correm o sério risco de não prosperar. O Parlamento já não aceita mais ser um mero “carimbador” dos interesses do Executivo. Lira e seus pares mostram matéria a matéria, como já dito, a sua força política e impõem seus interesses (legítimos, diga-se) “goela abaixo” do governo.

Por fim, com a eleição de Rodrigo Pacheco (PSD/MG) à presidência do Senado Federal, digamos que o jogo entre Executivo e Legislativo ficou um pouco mais equilibrado para o lado do governo. Isso porque Pacheco, diferente de Lira, tem segurado em muitas oportunidades projetos que contrariam os interesses do governo Lula. Importante dizer que Pacheco agia da mesma forma no governo de Jair Bolsonaro. Não é uma novidade.

Em suma, Arthur Lira apenas avança o que foi iniciado por seu antecessor, Rodrigo Maia, que chegou a negociar a apresentação de um projeto que formalizava o que atualmente se vive informalmente e sem regras previamente definidas. Por isso essa sensação de bagunça e de um poder quase que absoluto do Parlamento.

Resta ao governo entender a nova dinâmica do jogo: um semipresidencialismo com o Presidente da República partilhando o poder com o Congresso. E esta é uma situação que tende a se manter por um bom período, principalmente se o Centrão voltar a eleger um dos seus representantes na próxima eleição à cadeira da presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.

André Pereira César

Cientista Político

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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