Legislativo versus Judiciário – a disputa por um lugar ao sol - Linha de Pensamento - Hold

Legislativo versus Judiciário – a disputa por um lugar ao sol

Um embate entre o Judiciário e o Legislativo tem marcado a cena política nos últimos dias. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional travam uma batalha em torno de diversos temas, entre eles o chamado marco temporal, a descriminalização da maconha e a descriminalização do aborto. Como resposta, o Congresso Nacional trata, agora, de projetos que visam limitar a atuação da Corte Superior. Muito ruído pode sair dessa história.

Aos fatos. Por nove votos a dois, a Corte derrubou a tese do marco temporal para demarcações - foram derrotados os ministros Kássio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo essa tese, as comunidades indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam até o dia em da promulgação da Constituição, em 1988. Trata-se de uma vitória dos indígenas e de diversos movimentos em defesa das causas indígenas e do meio-ambiente, que se mobilizaram para acompanhar o julgamento. Por outro lado, a tese do marco temporal era defendida por setores ruralistas com apoio da banca do agro no Congresso.

Com a tese do marco temporal rejeitada pela maioria, o STF ainda deve discutir e formular o entendimento comum dos ministros sobre o tema. Entre os pontos que ainda precisam ser definidos estão a indenização de não-índígenas que ocupam atualmente áreas dos povos originários e a compensação aos indígenas quando já não for mais possível conceder a área reivindicada.

A resposta do Legislativo ao STF foi a aprovação, pelo Senado Federal, de um projeto de lei que regulamenta os direitos originários indígenas sobre suas terras. Relatado pelo senador Marcos Rogério (PL/RO), entre os principais pontos, o texto só permite demarcar novos territórios indígenas nos espaços que já estavam ocupados por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O projeto também prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não indígenas. A celebração de contratos nesses casos dependerá da aprovação da comunidade, da manutenção da posse da terra e da garantia de que as atividades realizadas gerem benefício para toda essa comunidade.

O embate está armado. De um lado, o STF apenas interpretou o texto constitucional, segundo muitos juristas. De outro, o Senado tenta reafirmar seu poder de legislar - mas a avaliação geral é a de que a matéria deveria ser tratada por meio de emenda constitucional, ou seja, nas condições em que foi aprovada ela carece de validade. No meio, a decisão final cabe ao presidente Lula (PT), que poderá vetar na totalidade ou partes do projeto.

Com relação à descriminalização da maconha, o STF tem cinco votos favoráveis para que o uso de maconha não seja mais crime e seis votos favoráveis para definir que a posse de uma determinada quantia de maconha não seja considerada tráfico. O processo está suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça. Aqui, a resposta do Parlamento foi quase que imediata. O próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição com o objetivo de criminalizar o uso e a posse de qualquer tipo de droga ilícita. Um aceno aos religiosos, conservadores e extremistas.

A apresentação quase que instantânea dessa PEC, traz consigo alguns significados. Pacheco, que um dia chegou a ser ventilado para uma das vagas ao STF, ficou de fora do páreo, uma espécie de abandono por parte do governo do presidente Lula. Ainda viu a sua figura demasiadamente ligada à esquerda, portanto, limitando o seu poder de influência nas candidaturas para as eleições municipais de 2024. Por fim, dentro do Senado, para conseguir fazer o seu sucessor em disputa direta contra o senador Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), ex-presidente da Casa e atual comandante CCJ, Rodrigo Pacheco precisa contar com o apoio não só da base governista mas também dos senadores da extrema-direita ligados ao grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Cada voto conta.

A questão da descriminalização do aborto também entrou na pauta, já que o STF, por conta da aposentadoria da então presidente Rosa Weber, acabou adiantando o seu voto favorável à tese. No entanto, o novo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, retirou, por ora, o processo da pauta. Só que esse pequeno movimento do STF sobre o complexo assunto aborto, fez com que as lideranças políticas no Congresso reagissem com o discurso de que é no âmbito do Parlamento que se deve discutir o tema, a quem cabe fazer as leis.

Tais investidas por parte do STF em assuntos tão caros a parcela significativa do mundo da política – marco temporal (bancada ruralista, indigenistas e ambientalistas); maconha (bancada da bala, evangélicos e progressistas); aborto (evangélicos, católicos, progressistas) – fizeram com que os oportunistas aproveitassem a oportunidade.

Nesse sentido, Alcolumbre, na qualidade de presidente da CCJ, a mais poderosa e importante comissão do Senado, com o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, pautou projeto que visa discutir os limites de atuação da Corte Constitucional. O avanço na Comissão foi rápido, com a aprovação de uma PEC em incríveis 42 segundos. No Plenário, o requerimento de urgência para análise da matéria foi aprovado e deve ser votado nos próximos dias. O recado ao Supremo foi dado.

Alcolumbre, assim como Pacheco, está de olho nas eleições municipais de 2024 e ainda tenta viabilizar a sua recondução à cadeira da presidência do Senado Federal. Para isso, precisa contar com o apoio de grande parcela dos seus colegas. Importante dizer que passarão pela CCJ a indicação do novo Procurador-Geral da República, do novo ministro do STF e também das três vagas ao Superior Tribunal de Justiça dos já indicados pelo presidente Lula, mas que ainda não foram sabatinados. Davi Alcolumbre, que segurou a sabatina do agora ministro André Mendonça por longos seis meses, só pautando o escrutínio na CCJ após extensa rodada de negociações, entende como poucos o poder da cadeira e não se furtará em usá-la em benefício próprio e dos seus.

Na Câmara dos Deputados, igualmente correm projetos que visam mexer com a estrutura do STF. O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP/AL), ao contrário do seu colega Pacheco, tem adotado um tom mais conciliador, não entrando diretamente em confronto. Apesar disso, já deu sinais de que não se esforçará para barrar iniciativas que busquem restringir a atuação do STF, como por exemplo o projeto que permite ao Congresso derrubar decisões da Corte.

Importante observar que o atual Supremo Tribunal Federal assume posições favoráveis a uma agenda mais progressista. Em contraste, há um Parlamento mais conservador, que resiste a adotar teses consideradas tabus no país. O conflito está no ar.

André Pereira César

Cientista Político

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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