Junho, dez anos depois - Linha de Pensamento - Hold

Junho, dez anos depois

Há exatos dez anos, o Brasil viveu um turbilhão. Na esteira da Primavera Árabe, movimento popular que aconteceu em mais de dez países do Oriente Médio e do norte da África, multidões saíram às ruas, em centenas de cidades do país, para protestar contra o “estado das coisas” - o que começou como uma crítica ao aumento das tarifas dos transportes públicos ganhou escala e incluiu uma extensa pauta de reivindicações. Passado o tempo, como olhar aquele período da história nacional?

Aos fatos. No início de junho de 2013, manifestantes foram às ruas criticar o aumento das tarifas e a má qualidade dos transportes públicos - um dos coordenadores era o até então desconhecido Movimento Passe Livre (MPL). A partir disso o cardápio dos protestos cresceu e passou a incluir a violência policial, pouco investimento em serviços públicos e gastos com grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Os bordões “queremos hospitais padrão FIFA” e “não vai ter Copa” logo ecoavam em todos os cantos. Tudo saiu de controle.

O mundo político reagiu mal aos eventos. A presidente Dilma Rousseff (PT), até então com elevados índices de popularidade, recuou e revisou parte importante da agenda de seu governo. O pior momento talvez tenha sido a apresentação de uma proposta de Constituinte para tentar acalmar os ânimos. A ideia foi rejeitada até mesmo por aliados da então titular do Planalto, que se viu acuada. Iniciava-se ali um processo de perda de capital político que, em 2016, desaguaria no impeachment da petista. Os oportunistas aproveitaram a oportunidade.

Não apenas o governo federal sentiu a pressão das ruas. Governadores e prefeitos também foram alvos dos protestos, e muitos chegaram a pedir “ajuda” ao Planalto. Pouco podia ser feito, na verdade. O símbolo maior desse quadro se deu em Paris em 10 de junho daquele ano, com o então governador paulista Geraldo Alckmin e o prefeito paulistano Fernando Haddad cantando “Trem das onze”, clássico de Adoniran Barbosa, em um evento, enquanto, literalmente, o “pau comia” nas ruas de São Paulo. Faltou entendimento sobre o que ocorria no Brasil.

Há outros atores diretamente envolvidos no processo. As redes sociais, esse novo espaço público, já mostravam sua força sobre a opinião pública, em especial setores mais jovens de classe média, e foram fundamentais na mobilização das massas não só no Brasil, mas ao redor do mundo como, por exemplo, o Brexit e a eleição do republicano Donald Trump, nos Estados Unidos. De lá para cá, a situação apenas piorou e as bolhas e suas Fake News seguem assombrando a todos.

Também a mídia tradicional marcou presença. Em um primeiro momento, órgãos tradicionais de imprensa (televisiva e impressa) apoiaram as legítimas reivindicações “dos jovens”. No entanto, quando os protestos começaram a desandar em violência, com quebradeira generalizada, inclusive contra esses mesmos órgãos da imprensa, o posicionamento mudou radicalmente. Editoriais passaram a pedir “rigor das autoridades e das polícias”. O glamour dos primeiros dias já era passado, graças em larga medida aos black blocs.

Quem se fortaleceu após os eventos? O Centrão, sem dúvida, colheu louros importantes. O bloco, que à época contava com o PMDB (hoje MDB) em suas fileiras, saiu robustecido e passou a dar novas cartas no jogo político, enfraquecendo ainda mais o governo federal, em especial com a eleição de Eduardo Cunha (RJ) à presidência da Câmara dos Deputados e a aprovação das chamadas “pautas bomba”. O que se vê hoje, com partidos como PL, PP, Republicanos e PSD em postos-chave do Parlamento, tem grande relação com junho de 2013. Resiliência e pragmatismo colocados em prática.

Igualmente é inegável que a ultradireita ganhou tração a partir de então. Soube aproveitar como ninguém o discurso da antipolítica, abrindo caminho para a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018, além de uma grande leva de outsiders no Congresso Nacional oriundos de movimentos muito bem organizados e financiados como o MBL, Acredito e RenovaBR. A política tradicional sentiu o golpe. Mesmo tentando se readaptar à nova realidade, até agora ainda não conseguiu se recuperar totalmente do baque sofrido e teve que dividir espaço com a “nova política”.

Um importante subproduto desses eventos foi a Operação Lava Jato – que cunhou o termo lavajatismo, um novo grupo na cena política brasileira que tem hoje o senador Sérgio Moro (União/PR) e o deputado federal recentemente cassado Deltan Dallagnol como principais expoentes.

Por fim, notou-se um crescimento expressivo do ativismo político mais radicalizado pelo país, que inevitavelmente respinga no processo decisório - para o bem e para o mal. Uma nova realidade que precisa ser devidamente entendida pela classe política.

Junho de 2013 foi um marco e o Brasil mudou após os eventos. Para muitos, as manifestações serviram apenas para a maior massa de manobra da história brasileira desestabilizar o governo e a democracia. Para outros, um legítimo e popular movimento reivindicatório.

Há muito ainda a se pesquisar sobre aquele período. O que se sabe e se pode afirmar, no entanto, é que em decorrência dessas manifestações, ao longo desses dez anos, regredimos como sociedade, em especial quanto às políticas sociais, ambientais e indigenistas e, como país, com a quebra da indústria pesada e de infraestrutura.

André Pereira César

Cientista Político

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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