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Argentina, eleições e o inverno que se aproxima

As eleições de 2014 que reelegeram a candidata Dilma Rousseff (PT/MG), que foram questionadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral pelo então candidato derrotado Aécio Neves (PSDB/MG), já davam indícios do que viria mais à frente.

Um lento, mas gradual e consistente processo de demonização da política e dos políticos a partir desse movimento, começava a tomar forma. Operações contra a corrupção e forças tarefas do Ministério Público Federal como a Lava Jato, em especial, desencadearam uma marcha sem precedentes na história recente do país.

Por conta dessa cruzada contra a política, a direita mais conservadora, que já ensaiava lutar por mais espaços, viu nascer, com amplo apoio do Poder Judiciário, da imprensa e de grande parte da opinião pública, movimentos muito bem organizados e financiados, como o MBL, Acredito e o RenovaBR, a partir das manifestações de junho de 2013.

Mas a vitória na corrida presidencial de 2014 não veio. Após toda a desestabilização política e econômica advinda do impeachment de Dilma, partidos como PL, PP, Republicanos e PSD ganham espaço ao integrarem o então governo de Michel Temer (MDB/SP).

Nas eleições municipais de 2016, essa “direitona” sai vitoriosa em muitas cidades e começa a preparar o caminho para a vitória de Jair Bolsonaro (PL) em 2018. O resto é história.

Importante dizer, no entanto, que há outros atores diretamente envolvidos em todo esse processo. As redes sociais, o Brexit e a eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos tiveram forte influência em terras tupiniquins.

Posto isso, olhemos para a Argentina.

Da mesma forma que aqui, a antipolítica ganhou muito espaço e força no país vizinho, fazendo com que um outsider pudesse surgir como o salvador da pátria.

Javier Milei, um autoproclamado liberal libertário de ultradireita, é economista e um saudosista declarado da ditadura militar argentina. Tem como principais propostas de campanha a dolarização da economia argentina em etapas, a redução dos gastos estatais, a privatização de empresas públicas, o fim das verbas rescisórias para reduzir os custos trabalhistas, a desregulamentação do porte de armas e a militarização das prisões. Propõe, ainda, regulamentação da venda de órgãos humanos. Polêmico é o mínimo que se pode dizer.

Apoiado num discurso antissistema, contra tudo o que está aí, Milei ganhou força ao longo da campanha, principalmente entre a classe média, os mais jovens e os de baixa renda, que são os que mais sofrem com a inflação na casa dos 140% ao ano, com as elevadas taxas de desemprego e demais mazelas típicas de um país em crise.

Chegou a afirmar em diversas declarações ao longo da campanha que se eleito, além das já conhecidas polêmicas propostas, vai retirar a Argentina do Mercosul, e que vai romper relações com o Brasil e com a China por serem, basicamente, países comunistas.

Nessa caminhada rumo à vitória e “contra os comunistas”, Javier Milei conta com o apoio da família Bolsonaro e dos deputados e senadores brasileiros mais radicalizados.

No entanto, apesar desse amplo apoio da extrema direita brasileira, passado o primeiro turno das eleições argentinas, o resultado para Milei não foi bem o esperado. O candidato da situação apoiado por Alberto Fernández e Cristina Kirchner, o ministro da Economia Sergio Massa, ficou em primeiro lugar com 36,68% dos votos, enquanto Milei obteve 29,98% das intenções de voto. O segundo turno será em 19 de novembro.

Milei é um fenômeno político que ganhou as primárias à presidência com 30,04% dos votos. Tradicionalmente, o vencedor das prévias também vence as eleições. Era esse o resultado esperado para o primeiro turno. No entanto, ao que tudo indica, o candidato ultradireitista acabou atingindo o seu teto eleitoral.

Ao se olhar o resultado do primeiro turno, tem-se a impressão de que eleitor argentino na hora do voto, acabou optando pela política mais tradicional, pelo menos até aqui. Resta aguardar o segundo turno.

Voltando ao Brasil, no pleito eleitoral de 2020, o então maior partido, PSL, fazia as contas e esperava se consagrar o maior vencedor naquelas eleições municipais, conquistando as principais cidades e capitais do país, justamente por ser o partido do presidente da República e por representar a direita mais conservadora e radicalizada. Não foi o que aconteceu.

De fato, o PSL de Luciano Bivar (PE) cresceu, mas bem menos do que projetado.

O Brasil de 2020 vivia uma crise institucional, econômica e política, que foi agravada pela pandemia da Covid, e o eleitor brasileiro, naquele momento, acabou optando pela segurança da política mais tradicional e votou em peso nos partidos e candidatos os quais já conhecia. Os mais diversos outsiders e neófitos da política que esperavam se beneficiar do mesmo fenômeno das eleições de 2018 acabaram derrotados.  A extrema direita deixou de crescer. Ao menos naquele momento.

Partidos como o Progressistas, PL, Republicanos, PSD, PT e até mesmo o PSOL acabaram obtendo um resultado acima do esperado, com a conquista de importantes cidades e capitais.

Hoje, a Argentina passa por um momento de muita desestabilização política e econômica, como já se sabe, e o eleitor, ao que tudo indica, se afiançará naquilo que já conhece. O eleitor, ao apostar em Sergio Massa, político tradicional peronista e kirchnerista, ex-prefeito da província de Tigre, ex-deputado e atual ministro da Economia, opta por trilhar um caminho já conhecido. A máxima de que “ruim com ele, pior sem ele” nunca foi tão verdadeira para o argentino.

O discurso de Milei pode até empolgar, num primeiro momento, mas quando trazida para a realidade cotidiana de muitos argentinos, estes não conseguem ver-se navegando em águas desconhecidas.

As chances de Massa, que antes dos resultados do primeiro turno eram muito baixas, passam a ser reais. Em contraste, Milei, que até então estava tranquilo e apostava tudo numa vitória acachapante no primeiro turno, agora terá que correr contra o tempo para convencer os eleitores de que a ruptura com o sistema e o desconhecido são o melhor caminho.

No hemisfério sul, o verão se aproxima. No entanto, a depender do resultado das eleições, a Argentina poderá enfrentar um longo inverno.

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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