8 de janeiro, o dia que não acabou - Linha de Pensamento - Hold

8 de janeiro, o dia que não acabou

A democracia é inegociável e tem entre seus pressupostos o contraditório e a perspectiva de troca de poder. Os eventos de 8 de janeiro de 2023, exatamente um ano atrás, mostram que há ainda ameaças concretas para o sistema no Brasil. Simples assim.

As celebrações ocorridas ontem deixaram claro que o país segue dividido. De um lado, os defensores do regime democrático, entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), governadores moderados e membros do Congresso Nacional.

De outro, a notada ausência de políticos (governadores e parlamentares) que sempre flertaram com o autoritarismo. Há casos específicos, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), que não compareceu devido a problemas de saúde na família. Situação similar é a do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que sofreu uma intervenção cirúrgica.

Os demais ausentes, porém, tinham outras motivações. A grande maioria era, de algum modo, próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aos ideais da ultradireita. Irônico é que esse grupo, inclusive, foi eleito em meio à onda da chamada “nova política” - definição no mínimo controversa, dado que a política é uma coisa só.

Cabe aqui registrar o posicionamento do PL, maior bancada da Câmara e igualmente relevante no Senado Federal. Lideranças do partido ironizaram as celebrações em defesa da democracia, afirmando que tudo não passava de uma “narrativa” da esquerda.

É claro que o evento, intitulado “Democracia Inabalada”, tem as digitais do governo Lula (PT), que é quem está à frente do Poder Executivo Federal. Nesse sentido, adversários do presidente da República, muitos deles potenciais candidatos nas próximas eleições municipais e também à sucessão em 2026, trabalharam para esvaziar as celebrações e evitar que o Planalto capitalizasse politicamente com a data.

Só que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, como já dizia o dito popular. A democracia não tem partido, não tem bandeira. É uma condição, é um estado que não tem lado e que deve ser defendida a todo custo.

A carta assinada por trinta senadores da República dos partidos PL, PP, Republicanos, PSDB, PSD, Podemos e União Brasil, contra o ato “Democracia Inabalada” e onde acusam o presidente Lula de omissão nos eventos do dia 8 e criticam o Supremo Tribunal Federal na condução e condenação dos acusados de tentativa de golpe, é um claro sinal de que os eventos contra a democracia não acabaram. Travestido de um simples manifesto de oposição, na verdade, o documento serve de combustível para manter a “massa ignara” em alerta.

Esse grupo, que parece pequeno, afinal são apenas trinta, na verdade, quando se olha o todo, conta com apoio, representa e ganha escala pois está na linha de frente de governadores, prefeitos, deputados (federais e estaduais), empresários, mercado financeiro e econômico, imprensa, militares e parcela significativa da sociedade civil (eleitores em potencial). Na primeira oportunidade, esse significativo grupo vai tentar voltar ao controle do poder. É uma questão de tempo. Por isso a vigilância. A defesa do estado democrático de direito deve ser constante. O evento para lembrar o 8 de janeiro de 2023, ante essas claras manifestações, ganha mais significado.

Como dito, outro fato que chama a atenção é o comportamento de setores da imprensa. Alguns jornais e sites tentam relativizar o ocorrido no ano passado, em uma visão no mínimo enviesada sobre os acontecimentos. Sinal amarelo e um claro indício de que alguma coisa errada não está certa.

O fato é que nossa ainda jovem democracia correu um sério risco nos primeiros dias de 2023, e isso ainda ecoa no país. A divisão é palpável, numa espécie de Fla-Flu permanente, um “nós contra eles” que interdita o debate em torno das questões realmente importantes para a nação, como a democracia, por exemplo.

Uma coisa é certa - não há meio termo quando se fala em democracia. Ela é inegociável.

André Pereira César

Cientista Político

Alvaro Maimoni

Consultor Jurídico

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