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Uma reforma tributária dividida

É do conhecimento geral que, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ainda na década de noventa do século passado, discute-se a reforma tributária, sem avanços expressivos. Agora, no terceiro mandato de Lula (PT) a história se repete, assim como as dificuldades para aprovar a proposta.

É consenso que mudanças no sistema tributário - modernizar e simplificar - é essencial para a retomada do crescimento da economia brasileira. Esse consenso, porém, termina aí. Quando se começa a discutir os pontos específicos da proposta, velhas dificuldades vêm à tona. Esse é o quadro (requentado) hoje.

Para começar, União, estados e municípios estão divididos quanto aos reais termos da reforma. Além disso, há divergência entre os diferentes setores econômicos, como serviços, agronegócio, indústria, comércio e mercado financeiro. Todos, sem exceção, temem sair prejudicados com eventuais mudanças no sistema. A desconfiança é grande.

Tome-se como exemplo o agro. A poderosa bancada ruralista já se manifestou contra a oneração da cesta básica. Sem o apoio desse grupo, as chances de êxito da reforma tributária começam a cair. Por sinal, o relator da matéria na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), afirmou para os ruralistas que a reforma precisa ser aprovada ainda no primeiro semestre, do contrário “nada acontecerá”. Sinceridade de quem trabalha com a proposta há tempos.

Enquanto isso, o Grupo de Trabalho da Câmara estabeleceu um calendário e já discute o estabelecimento de alíquotas diferentes para cada setor da economia no chamado “imposto único nacional”, o IVA. Mais desentendimento no horizonte imediato.

Para além das dificuldades em torno do conteúdo da reforma, outro obstáculo poderoso está dentro do Congresso Nacional. A possibilidade (real) de instalação de uma CPMI para apurar uma possível omissão do governo Lula no combate aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro (o “Capitólio tupiniquim”), pode tumultuar o ambiente nas duas Casas Legislativas. Não por acaso, as lideranças governistas trabalham para tentar barrar essa iniciativa da oposição bolsonarista.

A se tomar a experiência vivida pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando da CPI da Covid, onde se tornou um verdadeiro palco para a então oposição sob o comando dos senadores Omar Aziz (PSD/AM), Renan Calheiros (MDB/AL) e Randolfe Rodrigues (Rede/AP), o atual governo tem razões de sobra para se preocupar.

Abrir espaço para discursos extremistas, já no início de um governo ainda em formação, significa abrir mão de toda uma agenda no Congresso para se dedicar, exclusivamente, em se defender. Será que o governo terá fôlego para atuar em todas as frentes, ainda mais quando parlamentares do União Brasil, com uma bancada de 59 deputados e que comanda três ministérios (Turismo, Integração e Comunicações) assinam o requerimento de criação de uma CPMI para investigar o governo ao qual compõem?

Como se vê, não será fácil a tramitação da proposta de reforma tributária. Os debates mal começaram e a falta de um consenso mínimo já se faz presente, aliado ao fantasma de uma CPMI que pode parar toda a agenda legislativa. Uma boa oportunidade pode mais uma vez se perder.

André Pereira César

Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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