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Diário da transição: uma PEC para chamar de sua

Terça-feira, 29 de novembro. Após semanas de discussões, idas e vindas e desentendimentos, finalmente foi apresentado o texto da PEC do Bolsa Família, essencial para os projetos do governo eleito. A proposição, é claro, será agora objeto de intensa análise por parte do Congresso Nacional, mas sem dúvida representa um ponto de partida. O jogo parlamentar começa a ser jogado.

Em linhas gerais, o texto, que tem como primeiro signatário o senador Marcelo Castro (MDB/PI), propõe a retirada do Bolsa Família do teto de gastos por quatro anos e prevê, ao todo, R$ 198 bilhões fora do teto em 2023 - além dos R$ 175 bilhões estimados para bancar o programa social, outros R$ 23 bilhões para investimentos a partir do “excesso de arrecadação”.

Marcelo Castro, importante lembrar, é o relator-geral do projeto da Lei Orçamentária de 2023 (LOA/23) e também politicamente alinhado ao presidente eleito Lula (PT).

De imediato, a proposição apresentada gera um problema com o Centrão, pois travará uma das manobras pretendidas pelo bloco para desbloquear o pagamento das emendas de relator, o orçamento secreto, ainda neste ano.

Explicando. Integrantes do Centrão pretendiam liberar os recursos com a aprovação de um projeto de lei para utilizar o “empoçamento” de despesas com outros gastos (o que foi visto como uma possível pedalada) e também aproveitar a PEC do Bolsa Família para tirar parte das despesas do teto de gastos e abrir espaço para as emendas parlamentares ainda neste ano. Contudo, a PEC apresentada limitou a exclusão do Bolsa Família do teto de gastos por quatro anos, mas expressamente a partir de 2023. Como o texto anteriormente discutido não tinha prazo e entraria em vigor imediatamente, a interpretação dos políticos era que os pagamentos do auxílio em dezembro já não seriam contabilizados dentro da regra fiscal, o que poderia liberar até R$ 12 bilhões para outros gastos.

Outra trava incluída na nova versão da PEC para evitar a liberação de recursos no orçamento de 2022 é dizer que a permissão para usar até R$ 23 bilhões do excesso de arrecadação do ano anterior com investimentos também só valerá a partir de 2023. Antes, essa mudança também teria validade imediata, ou seja, poderia ser aplicada já em dezembro.

É do conhecimento geral que uma proposição complexa como a PEC do Bolsa Família tende a sofrer alterações de mérito ao longo do debate parlamentar. O governo eleito saberá onde ceder e quais concessões fazer?

No âmbito do Legislativo, a proposta já está cadastrada no sistema do Congresso Nacional, mas são necessárias as assinaturas de pelo menos 27 senadores (1/3 da casa) para que comece efetivamente a tramitar no Senado Federal. Até o presente momento, conta com apenas 14 assinaturas. Cumprida essa etapa, será encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça e, caso aprovada pelo colegiado, irá a plenário, em dois turnos de votação, sendo necessário receber um mínimo de 49 votos em cada rodada (3/5). Em seguida, será enviada para a Câmara dos Deputados, para ser avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça e, depois, em Comissão Especial. A última etapa é o plenário da Casa, em dois turnos, precisando receber ao menos 308 votos em cada escrutínio (3/5 do total de deputados).

A matéria terá um longo e sinuoso roteiro, como se vê. O governo eleito corre contra os obstáculos e o tempo.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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