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Diário da transição: uma construção difícil 

Quinta-feira, 24 de novembro. No dia da estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo de futebol, boa parte das atenções seguirão voltadas para as negociações em torno da PEC do Bolsa Família. As dificuldades para se chegar a um consenso mínimo são muitas e o governo eleito sente na pele os efeitos de uma coordenação política hoje pouco eficaz.

O esperado “entendimento coletivo” em torno da proposta não se materializou e, pior, por ora não existe nem mesmo um texto que dê sustentação às negociações. Na verdade, o único ponto pacífico é a necessidade de se atender com urgência à população mais carente, que enfrenta fome e miséria. Para além disso, tudo é estranhamento entre os representantes da futura administração, o Congresso Nacional e setores influentes como os mercados - e a sociedade, já dividida, acaba potencializando o quadro.

A queda de braço em curso tem diferentes componentes. Primeiro, a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em fevereiro próximo baliza as movimentações dos parlamentares. Tanto o deputado Arthur Lira (PP/AL) quanto o senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG) trabalham para ser reconduzidos às presidências das duas Casas e, desse modo, impõem condições nas conversas com o novo governo.

Mais ainda, o conteúdo da PEC é controverso. PT e aliados defendem com unhas e dentes a tese de que a exclusão do Bolsa Família do teto de gastos se dê pelos próximos quatro anos, mas os parlamentares insistem em adotar o mecanismo apenas para 2023, tornando assim necessária nova negociação em breve. Nada de dar um “cheque em branco” para Lula. Ao Congresso interessa manter ano-a-ano o poder de barganha.

Dada essa realidade, voltou a ganhar fôlego nas últimas horas a alternativa apresentada pelo senador Renan Calheiros (MDB/AL) de abrir espaço no Orçamento via Tribunal de Contas da União (TCU), com a solicitação de autorização para o governo emitir créditos suplementares sem a possibilidade de consequências jurídicas futuras. Por ora, uma possibilidade em tese mais rápida e que torna o Executivo menos dependente do Parlamento.

As incertezas fiscais e a falta de definição dos nomes que comporão a equipe econômica (e, portanto, sinalizarão as diretrizes da gestão Lula) jogam pimenta no caldeirão. Não por acaso, os mercados seguem nervosos e oscilando.

Por fim, a ausência do presidente eleito das conversas gerou ruídos adicionais. Lula, como se sabe, sofreu uma pequena intervenção cirúrgica na garganta tão logo retornou do exterior e segue a orientação médica de repousar por alguns dias. Resultado: com as conversas praticamente empacadas, o senador Jaques Wagner (PT/BA) foi encarregado de reforçar a capenga articulação política. Medida de emergência.

Wagner foi chamado por seu perfil de conciliador, com vasta experiência tanto no Legislativo quanto no Executivo. Além disso, ele tem bom trânsito inclusive junto ao Centrão e aos demais partidos que apoiam Jair Bolsonaro (PL). A pergunta que fica aqui - por que ele entrou no time somente agora?

O tempo corre e cada dia perdido pesa para o futuro mandatário. Faltando poucas semanas para o encerramento do ano, o desgaste já está precificado. A Lula e seus aliados restará administrar os prejuízos decorrentes do processo de transição.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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