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Diário da transição: um estranho no ninho

Terça-feira, 22 de novembro. Antes figura de referência do PSDB, partido que disputou com o PT a hegemonia política do país durante duas décadas, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) tornou-se peça essencial para a vitória de Lula (PT) no processo sucessório. Essa mutação reflete sua capacidade de realizar a leitura correta dos cenários. O ex-governador sem dúvida é um político de fino faro, mas será isso suficiente a partir de agora?

Aparentemente, Alckmin enfrenta dificuldades na transição ora em curso. Esse quadro se dá, em larga medida, por sua falta de experiência na convivência diária com lideranças de perfil mais à esquerda, especialmente os petistas. Uma coisa é atravessar uma (difícil) campanha eleitoral. Outra, mais complexa, é tratar da construção da gestão vencedora. Esse é o desafio que se coloca ao vice nesse momento.

Aos fatos. Na transição, o vice eleito conseguiu emplacar alguns auxiliares da mais estrita confiança, como o ex-deputado federal (e ex-tucano) Floriano Pesaro (PSB) e o ex-governador Márcio França (PSB), mas claramente está em desvantagem na correlação de forças interna - o PT tem um número muito maior de representantes no grupo, bem como outras legendas de esquerda. Alckmin deu a largada em desvantagem e, desse modo, precisa correr contra o prejuízo para não virar mero coadjuvante de Lula. Nada fácil.

Para além disso, já há claros sinais de ruídos em diferentes setores. As dificuldades na formação do setorial da Defesa, por exemplo, ou a pressão dos mercados com relação à definição da equipe econômica e de suas diretrizes mostram que há grande dificuldade para a produção de consensos mínimos na atual etapa da transição. Aqui, a personalidade apaziguadora de Alckmin se mostra fundamental para o estabelecimento de um diálogo ao mesmo tempo republicano e moderado. Mas ele precisa romper bolhas.

E tem mais. O ex-governador enfrenta a desconfiança tanto de petistas mais extremistas quanto de setores conservadores que se engajaram a Lula na campanha, mas não são, necessariamente, alinhados com a agenda do futuro presidente - os chamados anti-bolsonaristas. Tanto que já circula nos corredores do poder que Aloízio Mercadante e Gleisi Hoffmann estariam vigiando cada passo de Alckmin como coordenador geral da equipe de transição. Assim, em determinados debates Alckmin tende a ficar em pleno tiroteio, à mercê de ataques de todo tipo. Esse é um quadro ruim, que tende a esgarçar mais e mais o ambiente e elevar novos obstáculos nas negociações. Tudo o que, em tese, se deseja evitar.

A médio e longo prazos, outros problemas se desenham no horizonte. O principal deles tem como linha de chegada a sucessão presidencial de 2026. Já se sabe que Lula não disputará o pleito, abrindo espaço para desagradáveis (e desnecessárias) disputas dentro do governo que assumirá em janeiro. Como o PT e seus aliados históricos abordarão uma eventual pretensão do vice a se candidatar ao Planalto? Difícil imaginar, hoje, que estendam um tapete vermelho para o ex-tucano, principalmente se Alckmin conseguir se descolar e desempenhar com afinco o seu papel como vice-presidente da República.

Por fim, a possível indicação de seu nome para comandar um ministério, seja esse qual for, tem potencial para criar um stress adicional a toda essa situação. Como Lula faria em caso de necessidade de afastamento do suposto ministro, sob qualquer pretexto? O desgaste seria grande e politicamente de elevado custo. Melhor evitar.

Em resumo, Alckmin chega ao topo de seu momento na política em meio a dilemas e desafios nada desprezíveis. A seu favor, conta com a experiência de seus quatro mandatos à frente do governo paulista e, como afirmado acima, ter uma personalidade apaziguadora. Mas ele segue sendo um estranho no (seu novo) ninho.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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