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Diário da transição: o poder de Davi

Quinta-feira, 1º de dezembro. Com a PEC do Bolsa Família tramitando formalmente no Senado Federal, um ator político já obteve papel de destaque nas negociações em torno da matéria. O senador Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), presidente da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), avocou a si a relatoria da proposição. Na prática, a bola está com ele.

Político experiente apesar de jovem, ex-presidente da Casa, Alcolumbre sabe os caminhos a buscar no processo de discussão da PEC. Ele certamente ouvirá os seus pares e apresentará um relatório com alterações em relação ao texto original - por exemplo, os prazos e valores defendidos pelo futuro governo poderão ser revistos.

O senador também impõe seu ritmo às negociações. Ele poderá apresentar seu parecer na próxima semana, mas nem isso é garantido. Não por acaso, o presidente eleito Lula (PT) já se reuniu com o parlamentar, na tentativa de limpar o terreno para a votação da proposta. Aqui entram as condições políticas impostas por Alcolumbre.

Em primeiro lugar, seu partido, o União Brasil, hoje não formalmente alinhado a Lula, luta por espaço na próxima administração. É do conhecimento geral que setores da legenda são mais simpáticos ao presidente Jair Bolsonaro (PL) mas, mesmo assim, veem possibilidades de negociar com o futuro governo. Posições em ministérios, estatais e autarquias entram no pacote e já são objeto de conversas. A construção política está em curso.

Mais ainda, Alcolumbre deseja retornar ao comando da Casa no biênio 2025/2026 - hoje ele apoia a recondução de Rodrigo Pacheco (PSD/MG) - e coloca isso como ponto central nas tratativas com Lula. Aqui surge um nó a ser desatado. Aliado de primeira hora do petista, o senador Renan Calheiros (MDB/AL) também está no jogo sucessório da Casa e já trabalha para que seu filho, o ex-governador e senador eleito Renan Filho (MDB/AL) assuma a presidência no período pretendido por Alcolumbre. Uma disputa se desenha no horizonte de médio prazo, com potencial para afetar o governo federal. O presidente eleito precisará ser hábil nessa negociação.

Uma última observação. O presidente da CCJ sabe que o fator tempo é crucial para o processo de votação da PEC e que o governo eleito está preocupado com isso. Assim, ele poderá pressionar mais fortemente Lula em algum momento próximo. Lembremos que, recentemente, Alcolumbre se utilizou desse mesmo expediente quando da sabatina do então candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Foram meses de conversas até se chegar a um entendimento - e o futuro governo, hoje, não tem esse tempo para negociar, já que a PEC precisa ainda ser analisada e votada pela Câmara dos Deputados.

Enfim, as peças avançam no tabuleiro e, ao governo eleito, será necessária uma mistura de habilidade política com agilidade nas conversas. O Congresso entra oficialmente de recesso no dia 23 de dezembro. Um eventual fracasso na votação da PEC representará o pior início possível para a nova gestão Lula. Muito está em jogo.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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