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Diário da transição: o papel dos partidos

Quarta-feira, 9 de novembro. O processo de formatação do governo eleito está deixando claros dois pontos importantes. Em primeiro lugar, a chamada frente ampla sai do papel e ganha materialidade, transformando a futura administração em algo que vai além do PT e da esquerda. Além disso, os partidos, independentemente da coloração programático-ideológica, mostram-se prontos a manter o jogo democrático, não se apegando a propostas golpistas de ocasião.

No âmbito da frente ampla propriamente dita, o leque de partidos que apoiou a chapa Lula-Alckmin no primeiro ou no segundo turno apresentou seus nomes para compor o Conselho de Transição Governamental. São eles, por ora, PT, PSB, PCdoB, Rede, PSOL, PV, Solidariedade, Avante, Agir, PROS, PDT e PSD.

Algumas observações. O PSD não apoiou formalmente a chapa, mas seu presidente, Gilberto Kassab, manteve interlocução permanente com o grupo vencedor. Dada a conhecida capacidade de negociação do cacique da legenda, o movimento não surpreendeu. Resta saber como as bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal se relacionarão com o futuro governo. No mínimo, algum entendimento é esperado.

Já o MDB vive situação distinta. A senadora Simone Tebet (MS), candidata do partido na disputa sucessória, vestiu a camisa de Lula e foi fundamental para a vitória do petista no segundo turno. Assim, sua presença no Grupo Técnico de Desenvolvimento Social tornou-se praticamente inevitável, na cota pessoal do presidente eleito. Os emedebistas não perderam tempo e já indicaram dois nomes para representar o partido na transição, os senadores Jáder Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL). Mais gente de peso no barco.

Por fim, o PSDB tem em Pérsio Arida e André Lara Resende seus representantes no Grupo Técnico de Economia. Dois liberais ao lado de dois desenvolvimentistas, Nelson Barbosa e Guilherme Mello. O tucanato possivelmente indicará um político para integrar o Conselho, e também não está descartada a possibilidade de ter um ministério sob seu comando.

No que diz respeito aos demais partidos, todos, de alguma maneira, mostram-se dispostos a seguir a regras do jogo. Falamos aqui de legendas que, a princípio, tendem a se colocar no campo da oposição, mas sempre abertas ao diálogo - União Brasil, Republicanos, PP e PL os mais relevantes.

As lideranças do União Brasil não fecharam as portas para o futuro governo. Ao contrário, o presidente da agremiação, Luciano Bivar, manifesta até certa simpatia a Lula e demonstra público interesse em integrar o time do novo governo. É evidente que o partido tem nomes totalmente contrários ao petista, como o governador reeleito Ronaldo Caiado (GO), com grande influência interna. Ao longo das próximas semanas os rumos a serem tomados pela legenda ficarão mais claros.

Já o Republicanos, braço político da Igreja Universal, tende a fazer uma oposição pontual a Lula. O próprio presidente do partido, deputado federal reeleito Marcos Pereira (SP), deixou isso claro em recente manifestação. Por exemplo, eles não farão obstrução a uma eventual PEC da Transição, para viabilizar a manutenção do auxílio de R$ 600 à população mais carente. A situação, a rigor, é no mínimo interessante - nos bastidores, há quem comente que Pereira pode até mesmo assumir uma pasta no futuro governo, possivelmente Desenvolvimento Econômico ou até mesmo, a depender dos ajustes, possa vir a disputar a presidência da Câmara dos Deputados com o apoio do governo. Nesse caso, tudo mudaria de figura e o Republicanos poderia ser um novo integrante no barco da frente ampla.

O PP é peça fundamental na equação política vigente e manterá esse quadro no próximo governo. Arthur Lira (AL) trabalha para ser reconduzido à presidência da Câmara e, caso Lula não crie obstáculos a isso, uma relação menos conflituosa com o Planalto poderá se materializar. As conversas de hoje entre os dois (Lula e Lira) poderão dar início a um processo de entendimento. Importante lembrar que o PP, e o Centrão como um todo, é um partido pragmático até a medula, tanto que boa parte dos parlamentares do partido aguardam, ansiosos, alguma sinalização para embarcar de vez na base do novo governo.

E o PL nesse desenho? O partido de Valdemar Costa Neto, que alçará em breve Jair Bolsonaro ao posto de presidente de honra, mantém-se como uma esfinge. Com as maiores bancadas nas duas Casas a partir de fevereiro próximo (99 deputados e 14 senadores), será outra peça essencial no quadro político. O comandante da agremiação deu recentes declarações de que fará oposição e apostará em Bolsonaro para o pleito de 2026, mas, conhecendo-se seu histórico, nada é garantido. O PL, lembremos, integrou os governos de Lula entre 2003 e 2010 e inclusive esteve envolvido no escândalo do Mensalão, tendo o próprio Valdemar cumprido pena.

Como se vê, o mundo político se move e os potenciais acertos e ajustes ainda estão em curso. O quadro geral ganhará maior nitidez muito em breve.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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