2018 x 1989: uma similaridade enganosa - Hold

2018 x 1989: uma similaridade enganosa

Muito se fala sobre as similaridades entre o atual processo sucessório e as eleições de
1989, a primeira a ser realizada após o regime militar. Um olhar mais atento mostra o
que é fato e o que não passa de mito na comparação.

Nos dois casos, há uma profusão de candidaturas. Em 1989, foram 22 candidatos.
Agora, quatorze nomes deverão ser registrados até o próximo dia 15. Na primeira
eleição ainda não se registrava a polarização PT-PSDB, que marcou os pleitos
posteriores (entre 1994 e 2014). Agora, o envolvimento dos dois principais partidos do
Brasil em denúncias e escândalos estimulou outras agremiações a tentar "voos solo"
na disputa. Isso não quer dizer que necessariamente petistas e tucanos não chegarão
ao segundo turno, mas ambos não conseguiram atrair um maior número de aliados.

Para além das muitas candidaturas, duas figuras emblemáticas podem ser apontadas.
Em 1989, Collor de Mello aparecia como outsider, o caçador de marajás que salvaria a
pátria. Agora, Jair Bolsonaro se coloca como o "novo", descolado das velhas práticas
políticas. Ambos mobilizaram e mobilizam apaixonados seguidores, que reforçam a
construção do mito. No entanto, tanto Collor quanto Bolsonaro sempre fizeram parte
do establishment político.

Aqui começam as diferenças entre os dois momentos. O Brasil de 2018 é um
importante player na cena internacional, ao contrário de 1989. Naquela época, o país
estava engatinhando no processo de inserção no mundo e ainda era bastante fechado
- a famigerada Política Nacional de Informática e as "carroças automotivas" de Collor
são exemplos desse quadro.

Além disso, a difusão de informações mudou radicalmente. Em 1989, a grande
imprensa praticamente monopolizava a produção e a distribuição das notícias,
enquanto hoje ela divide espaço com a chamada "mídia alternativa". Isso sem falar do
advento da internet, que revolucionou o modo como assimilamos o que nos é
transmitido.

Também o engajamento da sociedade apresenta grandes diferenças. Muito em função
do caráter de novidade, em 1989 os brasileiros mergulharam de corpo e alma no
processo sucessório, muito em decorrência de se poder votar para presidente pela
primeira vez, em 25 anos. Grandes comícios, debates televisivos com audiências
recordes e discussões apaixonadas marcaram aquele período principalmente porque
através do voto, o Brasil iria mudar. Hoje, a realidade é outra. A população acompanha
com distanciamento os movimentos dos partidos e dos candidatos. Frieza e desilusão
são as marcas de 2018, onde chega-se a questionar se mudanças na estrutura política
e econômica podem, de fato, acontecer somente pelo voto.

As crises política e econômica sem precedentes de 2018 impactam no engajamento da
população com o processo eleitoral. Em 1989, é importante lembrar que o governo
Sarney passou o poder com elevados índices de impopularidade e alta inflação, mas
nada que se compare aos dias que correm. A soma da Lava Jato com a economia real
em baixa gera desalento e desencanto. O país vive seu momento de "ilusões perdidas".

Enfim, 2018 não representa uma segunda versão de 1989. Algumas semelhanças
existem, mas as realidades são majoritariamente distintas.

André Pereira César
Cientista Político

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