O que querem os militares? - Política - Hold

O que querem os militares?

Um debate recorrente nos últimos tempos, especialmente na mídia e nos mundos político e jurídico, além de observadores em geral, se dá em torno da participação dos militares no governo Bolsonaro. O novo protagonismo da caserna alimenta todo tipo de hipóteses, e é necessário um olhar mais aprofundado sobre a questão.

Em primeiro lugar, é preciso notar que esse protagonismo é inédito no período pós-redemocratização, vigente desde 1985. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), a atual administração tem em seus quadros 2,9 mil militares da ativa - 1.595 do Exército, 680 da Marinha e 622 da Aeronáutica. Um contingente expressivo.

Um ponto sempre debatido internamente diz respeito à condição dos militares que integram o governo, em especial nos postos de primeiro escalão. Boa parte da cúpula das três Forças avalia que, ao assumirem cargos de mando no governo Bolsonaro, esses militares deveriam em tese ter passado para a reserva - o que não ocorreu, por exemplo, com o titular da Saúde, general Eduardo Pazuello, e com o secretário de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Essa situação contribui para dividir o grupo.

Outro ponto de desconforto na caserna é a preponderância do Exército sobre as demais Forças no governo. Por mais que insistam em afirmar que desejam distanciamento da política, é inegável que Marinha e Aeronáutica sintam-se diminuídas em sua representação na gestão Bolsonaro.

Mas são dois grupos em especial e bem distintos que acabaram de fato dividindo as Forças Armadas. De um lado os militares da ativa de alta patente que não endossam os despropósitos de Bolsonaro e, de outro, os militares da reserva. O grupo de alta patente e da ativa não endossa o que os veteranos da reserva estão pensando e propagando. O estrago ainda está sendo apurado.

Outro fato importante, nesse debate, é a recente tentativa de aproximação entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e as Forças Armadas. As primeiras conversas têm como objetivo imediato a contenção da escalada da crise. O ministro Gilmar Mendes, um dos mais experientes da Corte, deu o pontapé inicial a esse movimento. Só que as Forças Armadas não viram com bons olhos essa visita. O Comandante do Exército, General Edson Leal Pujol, chegou a afirmar, inclusive, que ministro do STF não tem que conversar com Forças Armadas. Para isso existe o ministério da Defesa. Por falar em ministro da Defesa, cabe lembrar ainda que o general Fernando Azevedo e Silva, foi assessor do atual presidente do STF, Dias Toffoli.

Por fim, sabe-se que, junto à opinião pública, as três Armas são das instituições mais bem avaliadas e admiradas - e os militares sempre foram cientes dessa condição. Caso a crise gerada pela pandemia saia definitivamente de controle ou as investigações do caso Queiroz cheguem ao Planalto, estariam eles dispostos a enfrentar o desgaste e bancar Bolsonaro? Tudo leva a crer que não.

Em suma, é pouco provável a existência de algum movimento, dentro das Forças Armadas, de real contestação à ordem democrática. Em 1964, quando do golpe, os militares viviam o ambiente da Guerra Fria, e a Crise dos Mísseis de Cuba estava fresca na memória. Mais ainda, a caserna tinha um projeto de poder e de país. Hoje, em tempos de mundo interconectado e de globalização, nada mais distante.

André Pereira César

Cientista Político

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