Governo em construção: agenda - Transição de Poder - Hold

Governo em construção: agenda

Capítulo nº 6

Aos poucos, a equipe de transição vai dando forma à agenda do novo governo. Ela norteará as ações do presidente eleito ao longo dos próximos anos. Por se tratar de uma obra em construção, os vaivéns de Bolsonaro em torno de diversos temas podem ser considerados normais.

Economia - a equipe econômica está no centro das atenções do novo governo. Paulo Guedes, com seu estilo forte e muitas vezes polêmico, montou um time compacto. Destaque-se aqui o nome de Joaquim Levy, cuja indicação para o BNDES foi bem recebida pelo mercado.

Problemas não faltam, porém. O mais visível deles é a reforma da Previdência. Não se sabe ainda qual proposta irá a voto, nem quando. Um projeto que agrada ao mercado é o do economista Armínio Fraga. Em linhas gerais, ele propõe a criação de uma renda mínima para idosos, o estabelecimento da Previdência dos militares e a equiparação dos regimes público e privado em cerca de dez anos. Uma proposta mais ousada que a do governo Temer. O apoio político a ela é no mínimo incerto.

A questão das estatais também é outra incógnita. O destino da Eletrobrás segue em aberto, com Bolsonaro sinalizando que manterá a empresa do jeito que está. Já a Petrobras, em plena fase de recuperação, poderá ser comandado por um militar, algo que não ocorre desde os anos setenta. Uma mudança de rumos relevante.

Por fim, os bancos estatais deverão sofrer mudanças importantes. Além de mudanças nos postos de comando, fala-se em passar um "pente fino" nos cargos comissionados do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, para se afastar indicados ligados ao PT e ao MDB. O impacto financeiro da medida pode ser limitado, mas teria a função de angariar o apoio de boa parte da opinião pública.

Política externa - historicamente, e apesar do corpo diplomático altamente qualificado, a política externa teve menor relevância na cena nacional. O processo de transição em curso indica que alguma mudança está ocorrendo.

Polêmicas pipocaram de imediato. Proposta de mudança da embaixada de Israel para Jerusalém, o que desagradou aos árabes; declarações acerca do papel do Mercosul; críticas da China ao estilo "Trump tropical" de Bolsonaro; discussão pública com a Noruega acerca da política ambiental e da proteção à Amazônia. Em poucos dias, o Brasil viu-se envolvido em embates pouco usuais.

A normalidade nesse front retornará, é claro. Acordos bilaterais deverão ser encaminhados e o Brasil se reaproximará das economias centrais. Mas o novo titular do Itamaraty, que deverá ser ideológica e programaticamente próximo do novo presidente, precisará ter capacidade extrema de negociação e pacificação.

Área social - os críticos e adversários do governo eleito veem com apreensão a área social a partir de 2019. Não se sabe, de fato, o que acontecerá com políticas públicas que foram implementadas (com sucesso) desde o início do século. Bolsa-Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e outros estão em compasso de espera. Por ora, o discurso de Bolsonaro é conciliador e de manutenção de vários desses programas. Seu eleitorado, no entanto, votou nele em parte para que se revisassem esses programas, inclusive com a extinção de muitos deles. Esperam-se ruídos nessa área.

Agricultura e meio ambiente - a nomeação da deputada Teresa Cristina para a Agricultura é claro indicativo do peso que o setor terá no governo Bolsonaro. Coordenadora da Frente Parlamentar Ruralista, ela certamente dará atenção às demandas dos produtores rurais e do agronegócio.

Por outro lado, a ideia inicial do presidente eleito de fundir as pastas da Agricultura e Meio Ambiente mostra que essa última terá menor espaço nas negociações. Dada essa realidade, embates entre o setor agrícola e os ambientalistas serão praticamente inevitáveis.

Infraestrutura - o presidente eleito recebeu de seus colaboradores a sugestão de criar um superministério da Infraestrutura. A medida não é consensual e a pasta de Minas e Energia pediu para ficar fora do novo modelo.

Integrariam esse novo ministério os setores de transportes, mobilidade urbana, saneamento, energia, petróleo, gás, mineração e telecomunicações.

O problema básico desse desenho está no fato de concentrar muito poder nas mãos de um só ministro. Ele teria dificuldades materiais e políticas de tocar a superpasta com um mínimo de eficiência.

Considerações finais - dos quinze ministérios inicialmente previstos por Bolsonaro, fala-se agora em dezoito ou dezenove. A configuração final do primeiro escalão dependerá, em larga medida, do desenho da coalizão governista.

É de se notar, nesta análise, que pastas como Saúde, Educação e Trabalho ficaram de fora do debate. Por serem áreas sensíveis, com mais visibilidade junto à opinião pública, com orçamentos elevados, com interação e influência direta junto aos governos estaduais e municipais e por pertencerem historicamente a determinados partidos políticos, a equipe de transição e o presidente eleito deverão sofrer pressão além da conta para negociar as nomeações para os cargos desses ministérios. A agenda dessas pastas sequer começou a ser desenhada.

Com tudo que está aí, o que de fato se pode afirmar é que a agenda do futuro governo Bolsonaro, com exceção das raras declarações proferidas durante a campanha eleitoral, não estava sequer no forno. Tratavam-se apenas de propostas ou promessas de campanha que, na realidade dos fatos, ou não vão poder ser implementadas da forma como pretendida ou dependerão de muitos acordos para a sua execução.

André Pereira César
Cientista Político

Texto publicado originalmente em 14/11/2018.

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