Governo em construção: a participação dos militares - Hold

Governo em construção: a participação dos militares

Capítulo nº 10

Além da negociação política que deixa os partidos em segundo plano, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, trouxe outra novidade para a cena política - a volta dos militares ao processo decisório.

Os militares não tinham tal peso na composição de um governo desde o regime militar, entre 1964 e 1985. Com a redemocratização, eles retornaram aos quartéis. Agora, retomam o protagonismo político e ocuparão postos importantes na Esplanada.

Comecemos pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão. Por vezes polêmico, ao longo da campanha deu declarações que repercutiram na mídia, como a de supostamente ser contra o pagamento de décimo-terceiro salário. Mesmo assim, é tido como moderado por muitos de seus pares. Bolsonaro inclusive pretende utilizá-lo como uma espécie de "gerente de governo", coordenando os trabalhos dos demais ministérios.

Outro nome importante no novo cenário é o do general Augusto Heleno, que ocupará o Gabinete de Segurança Institucional. No meio militar, ele talvez seja o principal conselheiro de Bolsonaro e terá sala a seu lado no Planalto. Heleno tem larga experiência - na segunda metade dos anos setenta, foi ajudante de ordens do então poderoso ministro do Exército, e depois comandou tropas na Amazônia e no Haiti. Será sem dúvida um dos principais atores da nova gestão.

A Secretaria de Governo ficará com outro general, Carlos Alberto dos Santos Cruz. Aqui apresenta-se uma novidade. Em sua futura função, ele dividirá com o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM/RS), as negociações com o Congresso Nacional. Um leve sinal de que o deputado gaúcho, até então um dos homens fortes da nova administração, pode estar perdendo prestígio junto a Bolsonaro. Aliás, não se sabe como a dobradinha funcionará na prática.

A área de infraestrutura é uma das principais preocupações de Bolsonaro. A nova pasta será comandada por Tarcísio Freitas, ex-diretor do DNIT. Apesar de não ser propriamente um militar, ele iniciou sua carreira no Exército e atuou, entre outros, na Missão de Paz no Haiti. O presidente eleito, ao indicar o novo ministro, sinaliza confiar na mistura de lealdade com capacidade técnica. Menos espaço para os partidos.

É evidente que há outros núcleos dentro do governo Bolsonaro. Dentre eles, o de maior destaque é a equipe econômica, comandada por Paulo Guedes. Aqui se projetam algumas sombras. Com sua personalidade forte e por vezes mercurial, quais seriam os riscos de o economista bater de frente com os quadros militares? Indo além, a agenda liberal de Guedes, que envolve privatizações, não entrará em choque com o perfil até certo ponto nacionalista dos militares? A Bolsonaro será necessário um sofisticado trabalho de mediação para evitar futuros conflitos.

Em suma, as Forças Armadas e os agentes de segurança retornam à cena política, dessa vez pelo voto. Vide a expressiva eleição para o Legislativo federal e estadual. E a composição de diversos Governos estaduais conta com a participação de militares em postos chaves.

Tal movimento atende uma demanda de parcela da sociedade que vê nos militares e demais agentes de segurança, a possibilidade de “mudar o que está aí”.

Mas é bom lembrar que o mundo mudou muito do século passado para cá - não há mais Guerra Fria ou a ameaça do "espectro do comunismo". Assim, os militares que integrarão os novos governos precisam se mostrar conectados aos novos tempos. Do contrário, poderão fracassar na missão.

André Pereira César
Cientista Político

Texto publicado originalmente em 29/11/2018.

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