Os primeiros 100 dias do próximo governo* - Política - Hold

Os primeiros 100 dias do próximo governo*

Os cem dias iniciais de um novo governo, seja ele de primeiro mandato ou reeleito, são carregados de forte simbolismo político. Gera-se grande expectativa em torno dos rumos da administração e, de saída, são esperadas medidas impactantes. Nesse momento, a chamada “lua de mel” com o eleitorado está no ar. O que esperar da largada do próximo presidente, a partir de 1º de janeiro?

Uma nota de rodapé sobre presidentes reeleitos. Ao iniciar seu segundo mandato em 1998, Fernando Henrique Cardoso (que derrotou Lula no primeiro turno, diga-se) enfrentou grave crise que, de certo modo, teve reflexos até o final do governo. A crise do real e a forte desvalorização cambial, logo após a posse, geraram acusações (não comprovadas) de “estelionato eleitoral”. O encanto se quebrou e a “lua de mel” estava definitivamente cancelada.

O caso de Dilma Rousseff é similar. Reeleita em 2014 sob o signo das manifestações de junho do ano anterior, ela teve a vitória questionada por seu adversário, o tucano Aécio Neves (a gênese das críticas às urnas eletrônicas está aí, por sinal). Para piorar, ela bateu de frente com o então novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O resto é história - sem força política, foi definitivamente afastada do cargo no primeiro semestre de 2016. Nem sinal de “lua de mel”.

Desde a emenda da reeleição, a exceção a essa regra foi o ex-presidente Lula, que terminou o seu segundo mandato com 87% de aprovação. Caso único até então.

Voltando ao presente, o quadro é claro. Tanto Lula, líder nas pesquisas de intenção de voto, quanto o atual mandatário, Jair Bolsonaro, terão reduzida margem de manobra já a partir da (eventual) posse, o que tende a gerar stress na população logo de saída. As crises econômica e social já estão convidadas para a posse e serão de imediato uma pedra no sapato.

Caso vença a disputa, o petista terá de agir com força tão logo os resultados sejam divulgados. A definição de pastas estratégicas, como a Fazenda e a Justiça, será crucial para o destino imediato de sua gestão. Em especial, o novo comandante da economia terá, inevitavelmente, que agradar ao mercado e, ao mesmo tempo, não melindrar o eleitor tradicional do partido. O cenário político, econômico e social é bem diferente daqueles encontrados por Lula em seus dois mandatos e por esses motivos, talvez o apoio popular não venha ou não seja tão amplo como se espera. Uma possível acusação de “estelionato eleitoral” por parte da oposição e de significativa parcela da população pode estar no horizonte e não deve ser descartada.

Para além disso, Lula terá temas espinhosos a enfrentar. Situação dos militares na estrutura do governo, orçamento secreto, políticas externa e ambiental. Sem contar a agenda de reformas, que será cobrada por segmentos importantes da sociedade. Seu (suposto) “faro político” será posto à prova já na volta de aquecimento.

Bolsonaro, por sua vez, tende a seguir a retórica e a agenda atuais. Reforço na defesa dos costumes (família, pátria, religião), Estado e sociedade militarizados e mobilização permanente do eleitorado de direita. Na verdade, será a continuidade efetiva do projeto colocado em prática a partir de 2018.

Reeleito, o atual mandatário buscará manter o padrão de relações com o Centrão, principal aliado no Congresso Nacional, que serve de barreira a possíveis pedidos de afastamento. Nesse campo o jogo também seguirá o mesmo. Uma partida no qual os dois lados ganham.

É fundamental, porém, avaliar o fator externo. Tanto Lula quanto Bolsonaro terão que enfrentar um quadro de potenciais instabilidades globais a partir da posse. O conflito na Ucrânia tende a prosseguir por tempo indefinido, com impactos gerais. A crescente polarização Estados Unidos da América-China forçará os países (Brasil incluído) a tomar posições claras com relação a apoios e alinhamentos. Por fim, a perspectiva de uma recessão global em breve torna o quadro ainda mais dramático. Um enorme desafio para o futuro presidente brasileiro.

Como se vê, o próximo presidente, seja Lula ou Bolsonaro, não terá vida fácil. Quatro anos de desafios de monta estão posicionados - desafios que não darão trégua nem nos primeiros cem dias de novo governo. Não há tempo ou espaço para uma “lua de mel”.

André Pereira César

Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

*Tema da live de 15 de setembro de 2022, disponível em nosso canal no YouTube.

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