O alvo errado - Política - Hold

O alvo errado

O quadro é claro. Ao afirmar que levará a taxa Selic “aonde precisar”, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apontou o grande problema do Brasil hoje - a claudicante economia. O derretimento dos indicadores é visível a todos, mas o Planalto insiste em mirar outros alvos. Alguns errados, outros imaginários.

Os números da economia são no mínimo preocupantes. Desemprego acima de 14%, sem contar os desalentados, que desistiram de procurar ocupação. Inflação batendo na casa dos 10%, afetando em especial os brasileiros mais pobres e pressionando os juros para cima. Sucessivas revisões para baixo do PIB - agora, já se fala até em uma pequena recessão em 2022. Para fechar, a crise hídrica que terá forte impacto negativo sobre todos, com o aumento do custo energético.

Em paralelo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) segue a estratégia adotada desde sua posse, no início de 2019. Manter as bases mobilizadas, mirando adversários de todo tipo. Muitos errados e outros imaginários, em vez dos reais problemas sanitários, sociais e econômicos. Esse comportamento se agudizou a partir da eclosão da pandemia. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral se tornaram as vítimas dos ataques do titular do Planalto, com o forte apoio dos bolsonaristas. O 7 de setembro foi o ápice desse movimento. Antes eram o deputado Rodrigo Maia (sem partido/RJ) e os “traidores” da pátria, Sérgio Moro e Mandetta (DEM/MS), diga-se.

Aqui cabe notar a apatia da equipe econômica. De superministro, o comandante da Economia, Paulo Guedes, tornou-se uma figura praticamente descartável. Perdeu importantes colaboradores, colecionou reveses e se mostrou incapaz de esboçar qualquer tipo de reação. Por pura incapacidade ou má-fé mesmo, passou a adotar o estilo Bolsonaro de terceirizar seus atos quando errados. Em recente evento, Guedes afirmou que ruídos políticos têm atrapalhado a economia, em uma clara alusão aos conflitos gerados por Bolsonaro. Teria chegado a hora de Guedes deixar o posto?

Com as armas de que dispõe, o Banco Central tem feito sua parte, mas não só ele. Descolado dos interesses do governo, o Congresso Nacional tem abordado a agenda econômica. O Senado Federal barrou a minirreforma trabalhista, menina dos olhos do ministro Guedes, por considerá-la danosa ao país. Mesmo destino deve ter a mudança nas regras do imposto de renda, criticada por setores da economia e parlamentares de todos os partidos. Já o projeto que prorroga a desoneração da folha de pagamentos de algumas categorias deverá ser aprovado, à revelia do Planalto.

A síntese do descolamento entre Legislativo e Executivo se deu na audiência pública ocorrida no plenário da Câmara dos Deputados na terça-feira, 14 de setembro, com o presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna. Questionado sobre a alta expressiva dos preços dos combustíveis, ele afirmou que os valores cobrados cobrem custos de produção, juros de dívidas, investimentos e pagamentos de impostos, sendo, portanto, normais. Não convenceu aos parlamentares, que estão insatisfeitos com a situação.

Mesmo o presidente do BC criticou a Petrobras por elevar os preços dos combustíveis mais rapidamente do que ocorre no exterior. Como se vê, o discurso do governo não encontra suporte político nem técnico. Mais uma vez alvos errados ou imaginários.

Há um embate não declarado entre o Brasil real e o Brasil imaginário. No Brasil real, setores da economia e da política enfrentam as dificuldades para tentar recolocar o país nos trilhos. No imaginário, o presidente e seus seguidores seguem apontando suas armas para as pessoas e instituições, desafiando verdadeiros moinhos de vento. Uma situação insustentável a curto e médio prazos.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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