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Crise instalada

O favoritismo do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB/MA), para assumir a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) já é passado. Os eventos recentes envolvendo assessores graduados, que receberam em seus gabinetes a esposa de conhecido chefe de uma facção criminosa condenado e preso, expuseram o titular da pasta - que já era alvo inclusive de fogo amigo.

Aos fatos. A imprensa revelou que Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico amazonense” e condenada a dez anos de prisão por lavagem de dinheiro, organização criminosa e associação para o tráfico, visitou o ministério da Justiça acompanhando uma ex-deputada estadual do Rio de Janeiro, que é advogada e a atual presidente da ANACRIM-Associação Nacional da Advocacia Criminal. Os encontros foram registrados e publicados nas redes sociais.

Importante dizer que Luciane estava em uma lista de indicados pelo Comitê Estadual de Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM) e representou o estado do Amazonas, governado por Wilson Lima (União Brasil), conhecido e fervoroso apoiador de Jair Bolsonaro (PL), no Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, que aconteceu entre os dias 6 e 7 de novembro em Brasília.

O Comitê Estadual de Combate à Tortura do Amazonas abriu doze vagas para a participação de organizações de direitos humanos. Após um processo seletivo no mês de agosto, apenas cinco instituições conseguiram ocupar essas vagas, entre elas o Instituto Liberdade do Amazonas, presidido por Luciane. Essa foi a dinâmica que acabou trazendo a “dama do tráfico” à Brasília.

Apesar de não ter se reunido com Luciane, o desgaste político foi inevitável (e imediato) para o titular da pasta. Cabe registrar aqui que Dino foi inábil na condução do caso - ele não afastou os colaboradores diretamente envolvidos no episódio e se expôs publicamente nas redes sociais na tentativa pouco eficiente de se defender. Uma autêntica comédia de erros.

Para piorar o quadro geral, descobriu-se também que o ministério dos Direitos Humanos, comandado por Silvio Almeida (tido como referência na área), recentemente pagou passagens aéreas para o grupo de 70 pessoas que iria participar do referido encontro, e dentre eles estava Luciane. Todo o imbróglio respingou no comandante do ministério, que já é pressionado a deixar o cargo.

A oposição bolsonarista, evidentemente, se aproveitou da situação. Pedidos de impeachment e de comparecimento tanto de Dino quanto de Almeida já estão sendo articulados, reforçando ainda mais a fragilidade de ambos. Para o Planalto, trata-se de uma crise política que ganha escala a cada dia. O presidente Lula (PT) que veio a público defender Dino, também pode sair chamuscado da história.

Aqui, cabe observar que não há um controle mínimo sobre quem ministros e assessores recebem em seus gabinetes. O caso em questão revela a ausência absoluta de uma triagem prévia sobre as pessoas que circulam pela Esplanada, o que leva a situações de crise como a atual. Ainda mais quando a legislação em vigor não exige a apresentação prévia de “ficha corrida” de nenhum cidadão para adentrar em órgãos públicos ou de encontros formais com autoridades.

Voltando à eventual indicação de Dino para o STF, isso hoje é praticamente inviável. Afinal, ele seria alvo de pesada artilharia na sabatina a ser realizada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, com risco real de rejeição a seu nome - o que representaria um revés sem precedentes para o governo e entraria para história do país como sendo a segunda vez de indicado à Suprema Corte a ser rejeitado pelo Senado Federal.

Vale a máxima “a mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Os dois ministros estão na alça de mira e, no mínimo, sairão menores desse episódio.

André Pereira César

Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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