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Diário da transição: Babel em Brasília

Sexta-feira, 16 de dezembro. Lei das Estatais, Lei Orçamentária de 2023 (LOA/23), orçamento secreto, PEC do Bolsa Família, distribuição de cargos para acomodar aliados, derrubada de veto que obriga União a compensar estados com recursos para saúde e educação. A poucos dias da posse, o governo eleito tem pela frente questões tecnicamente complexas e politicamente delicadas. Pior, não há sinais de um consenso mínimo em torno delas e as negociações parecem emperrar. Uma verdadeira Babel se instalou em Brasília.

Aprovadas a toque de caixa pela Câmara dos Deputados, as mudanças na Lei das Estatais encontraram resistência no Senado Federal. As alterações em discussão, especialmente a redução da quarentena para os cargos de direção, caíram muito mal no mercado financeiro e econômico e geraram ruídos entre os senadores. Sem acordo, a discussão da matéria pode ficar para o próximo ano. Com isso, a indicação de Aloizio Mercadante para o comando do BNDES fica em xeque e o Centrão, favorável às medidas de afrouxamento das regras, não será atendido de imediato. Revés para o governo eleito e para as lideranças do Centrão, como Arthur Lira (PP/AL), presidente da Câmara dos Deputados.

A questão do orçamento secreto segue em aberto. Com cinco votos a favor da inconstitucionalidade da matéria, o Supremo Tribunal Federal (STF) sinaliza que a manutenção da regra dependerá de maior transparência por parte dos congressistas. Numa tentativa de demonstração de boa-fé ao STF, as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal editaram uma Resolução visando a regulamentação das emendas de relator, mas que ainda depende de votação. Enquanto o imbróglio não for solucionado, as votações no Congresso Nacional, a depender de Lira, seguirão travadas.

A mais importante delas é a PEC do Bolsa Família. Já aprovada pelos senadores, a proposição aguarda deliberação pelo plenário da Câmara dos Deputados. O presidente da Casa segurou as discussões, que foram transferidas para a terça-feira da próxima semana. O tempo corre e uma alternativa ganha força - a edição de uma medida provisória liberando crédito extraordinário para bancar o programa mais importante do presidente eleito.

Com as incertezas, o Parlamento também não pode apreciar o projeto da Lei Orçamentária do próximo ano. O relator, senador Marcelo Castro (MDB/PI), aguarda o encaminhamento das questões para fechar o parecer. A eventual não votação da matéria será um sinal ruim para a nova administração.

A distribuição de cargos de primeiro e segundo escalões enfrenta obstáculos. Dada a dimensão da chamada “frente ampla”, com muitos aliados demandando espaço no governo, Lula anuncia os nomes a conta gotas. Pior, o PT trabalha para ocupar postos estratégicos, como os ministérios da área social e políticos, gerando insatisfação entre as demais legendas. Equilíbrio instável que pode gerar problemas a médio prazo.

Por fim, a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao trecho de uma lei que obrigava a União a compensar estados para a manutenção dos pisos constitucionais de saúde, educação e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Com a derrubada desse veto, a União deverá transferir aos estados algo em torno de R$ 29 bilhões em 2023. Mais uma conta para o governo entrante pagar.

Como se vê, mesmo antes da posse o governo eleito tem pela frente desafios de monta. Os muitos fios soltos alimentam as cobranças, reforçando a percepção de não haver espaço para erros.

André Pereira César
Cientista Político

Colaboração: Alvaro Maimoni – Consultor Jurídico

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