Governo em construção – Ruídos na transição - Hold

Governo em construção – Ruídos na transição

Capítulo nº 11

Passada a euforia da vitória eleitoral do final de outubro último, Jair Bolsonaro começa a enfrentar problemas no âmbito da transição. O quadro atual indica que o presidente eleito provavelmente não terá vida fácil tão logo tome posse.

Onyx e os militares: o coordenador geral da transição e futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já não fala a mesma língua do núcleo militar do governo Bolsonaro. O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, defendeu publicamente o afastamento do parlamentar gaúcho caso as denúncias contra ele sejam confirmadas. Mourão tem o respaldo de outros militares, que criticam o estilo de agir de Lorenzoni.

Não se pode descartar a possibilidade de que o desgaste de Lorenzoni inviabilize sua permanência no governo. Uma hipótese seria ele retomar sua vaga de deputado e assumir uma posição de relevância na Câmara - por exemplo, a liderança do governo na Casa. Essa seria uma saída honrosa.

DEM dividido: partido que, ao lado do PSL, tem o maior número de ministros até agora (três cada), o DEM não esconde a divisão interna que atravessa. De um lado há os moderados, comandados pelo presidente da legenda, ACM Neto, que não reconhecem as indicações dos correligionários e trabalham pela recondução de Rodrigo Maia à presidência da Câmara. De outro, há o grupo mais à direita, que tem como expoentes o governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado, e Onyx Lorenzoni.

Até o momento, não há sinais de entendimento entre as partes. Má notícia para Bolsonaro, que precisa de um DEM sólido e unido em sua base aliada.

Blocão: Os líderes de vários partidos estão em avançada negociação para formação de um bloco, com o intuito único de fazer frente aos dois maiores partidos da Câmara, o PT com 56 parlamentares e o PSL, com 52 e conseguir negociar cargos de comando da Mesa Diretora e o controle de algumas das principais Comissões Temáticas. Os partidos que estão conversando são o PP, MDB, PSD, PR, PSB, PRB, PSDB, DEM, PDT, Solidariedade, PTB, PC do B, PSC, PPS e PHS. Juntos, são cerca de 340 deputados, o que representa mais de 60% da Câmara. Não se trata de um movimento de oposição, mas de uma união de partidos para negociar de igual com o novo governo.

O movimento começa a dar resultado, tanto que o presidente eleito chamou para conversar o MDB, PR, PRB e o PSDB. A iniciativa, antes rejeitada (uma das promessas de campanha), deverá ser estendida a outros partidos, sob pena de começar o ano isolado e sem a força necessária para aprovação das medidas que pretende.

O destino da Funai: parte integrante do ministério da Justiça, a Funai foi deslocada para outra pasta. Falava-se em Agricultura ou Cidadania, entre outras, mas o órgão acabou transferido para o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

A situação incomodou ao futuro titular da Justiça, Sérgio Moro, que defendia a manutenção do órgão responsável pelas políticas públicas em relação aos índios sob seu controle.

Ruralistas divididos: a não nomeação do presidente da União Democrática Ruralista, Nabhan Garcia, para o ministério da Agricultura deixou sequelas. Muito próximo de Bolsonaro, ele perdeu a vaga para a deputada Tereza Cristina, que teve o apoio da Frente Parlamentar Ruralista.

A divisão entre os dois grupos incomoda ao presidente eleito. O agronegócio, como se sabe, é fundamental para a retomada do crescimento da economia brasileira. A criação de uma secretaria para abrigar Garcia pode reduzir o incômodo gerado.

O problema da agenda: há o temor de que, no apagar das luzes da atual legislatura, os deputados abram uma "caixa de bondades" e aprovem proposições que onerem ainda mais as contas públicas. Está em curso, por parte do governo Temer e da futura gestão Bolsonaro, um trabalho de contenção no Congresso Nacional. Esse esforço, porém, nem sempre gera resultados positivos, como ficou evidente com a aprovação do reajuste do Judiciário e da recente permissão para que municípios gastem além do permitido.

Oposição preparada para a guerra: os partidos de oposição negociam a formação de um bloco contrário ao governo Bolsonaro. Até aí nada de novo, mas a disposição dessas legendas é a de barrar toda e qualquer proposição a ser apresentada pelo Planalto. A ordem é obstruir tudo.

Exemplo desse fato deu-se na discussão em torno da proposta de reforma tributária. O texto final foi objeto de construção entre os mais diferentes setores da vida nacional. No entanto, o ambiente na Comissão Especial que discute a matéria tornou impossível sua votação. Ânimos carregados entre os deputados selaram a não apreciação da reforma.

Considerações finais: ganhar a eleição não foi fácil, é fato. No entanto, a construção do novo governo e a futura gestão Bolsonaro serão duramente testadas a partir de agora. A forte polarização da sociedade brasileira torna a atual transição mais complexa do que a passagem de bastão de Fernando Henrique Cardoso para Lula, no final de 2002. O jogo já começou, e com ele os problemas.

André Pereira César
Cientista Político

Texto publicado originalmente em 07/12/2018.

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