É fato que, nos últimos tempos, registra-se um aumento expressivo da letalidade policial em todo o país. Em diversos estados, policiais militares extrapolam e, com o aval de superiores, em muitos casos, atuam à margem da lei. As vítimas, em geral, são jovens, pretos e pobres. No entanto, olhando-se o passado, nota-se que as práticas ora em curso já existiam.
Um pouco de história. Em 1964, início do regime militar, o temido “Esquadrão da Morte” iniciou suas operações. Tratava-se de grupo de policiais que se reuniu para vingar a morte do detetive Milton Le Cocq, um agente influente da polícia da época, que chegou a integrar a escolta de Getúlio Vargas. Comandada pelo sinistro delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem e Política Social (Dops), o grupo paramilitar atuou em diversos estados, mas foi perdendo força ao longo do tempo.
Esperava-se que, com a redemocratização, a situação melhorasse. Ledo engano. Em 1992, sob o comando do então governador Luiz Antônio Fleury Filho (MDB), o massacre do Carandiru, com seus 111 mortos, mostrou que nada mudou. As práticas seguiam as mesmas. O Haiti é aqui, cantaram Caetano e Gil à época.
Há casos emblemáticos, como o da Favela Naval, ocorrido em Diadema, São Paulo, em 1997, com demonstração de extrema truculência por parte dos policiais. Deveria impressionar, mas isso não ocorre, pelo simples fato de que parcela significativa da população apoia esse tipo de conduta. O bordão “bandido bom é bandido morto”, afinal de contas, gera votos.
Os anos do bolsonarismo representam outro marco, com sua defesa de práticas radicais das forças de segurança contra bandidos - mas não só. Muitos inocentes acabam pagando inclusive com suas vidas por esse tipo de ação.
Chegamos aqui a duas figuras simbólicas do quadro de hoje. Eleito governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a princípio tentou adotar um figurino moderado, bom gestor e tudo mais. Isso caiu por terra a partir da ação da PM na Baixada Santista, entre o final de 2023 e o início de 2024. Para vingar a morte de um colega, os policiais perpetraram um massacre. Nada menos que 84 mortos na operação. A polícia de São Paulo identificou, julgou e “executou” a pena dessas 84 pessoas, nesse caso, de morte. Denúncias de abuso não faltam.
Tarcísio bancou ainda a tese da criação de escolas cívico militares, medida criticada tanto por especialistas em segurança quanto por educadores. A votação da matéria na Assembleia Legislativa paulista mostrou novamente a truculência da polícia, dessa vez contra estudantes que protestavam pacificamente.
A segunda figura nessa história é o secretário de Segurança Pública do estado, Guilherme Derrite (PL/SP). Deputado federal licenciado, ele pertenceu aos quadros da ROTA, mas foi “convidado” a se retirar da corporação por “excesso de letalidade”. Admirador de Olavo de Carvalho, defende o endurecimento das ações, um retrocesso claro. Não causará espanto se ele disputar o Senado Federal em 2026 ou até mesmo o governo paulista, caso Tarcísio tenha outros planos que não a reeleição.
Importante abordar aqui a questão do uso de câmeras nos uniformes de policiais. Quando utilizadas pela polícia paulista, a partir do governo João Dória, o índice de letalidade diminuiu significativamente. Com Tarcísio no comando e o afrouxamento do uso do equipamento, as taxas voltaram a subir. Agora o governo federal entrou no jogo, mas com medidas aparentemente paliativas. O decreto recém-anunciado não ataca a questão a fundo.
O Brasil não tem pena de morte. A prática, porém, diz outra coisa. Um problema sério que pede soluções reais.
André Pereira César
Cientista Político
Colaboração: Alvaro Maimoni - Consultor Jurídico