Maduro e a tentação autocrática - parte 2 - Política - Hold Assessoria

Maduro e a tentação autocrática – parte 2

Incerteza e instabilidade. Esse é o saldo imediato do processo eleitoral venezuelano. A vitória oficial do presidente Nicolás Maduro, anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) daquele país - órgão controlado pelo governo, importante lembrar - joga mais lenha na fogueira que já arde há tempos na região.

Segundo as autoridades locais, Maduro teria recebido pouco mais de 51% dos votos, contra 44% do principal candidato de oposição, Edmundo González Urrutia. Quanto ao comparecimento às urnas, 59% dos eleitores marcaram presença. Dadas as dificuldades impostas pelo atual governo a setores do eleitorado, o número pode ser considerado expressivo.

Apenas para explicar, o voto não é obrigatório, as urnas são eletrônicas e, ao votar, o eleitor recebe um comprovante impresso de sua escolha, que é depositado em uma urna. Procedimento similar ao solicitado pelo grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Brasil, que, como se vê, tem eficácia limitada.

Uma das marcas do atual ciclo eleitoral foi o engajamento da população da Venezuela. Apoiadores e oposicionistas saíram às ruas para celebrar ou contestar os resultados. Com isso, há o risco real de conflitos nas ruas das principais cidades do país, incluída aí a capital Caracas.

Dito tudo isso, não surpreende o questionamento da oposição, que deseja ver todas as atas das eleições. Aqui as chances de êxito são limitadas, pois é pouco provável que Maduro aceite essa demanda. Ao contrário, ele afirmou em seu discurso de vitória que o “fascismo, na terra de Bolívar e Chávez, não passará”. Recado claro.

Também não surpreendem as primeiras reações da comunidade internacional. União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos solicitam acesso pleno aos dados do pleito. No continente, o presidente chileno Gabriel Boric, igualmente de esquerda, afirmou que, nas atuais condições, não reconhecerá a nova gestão de Maduro. O governo peruano acompanha sua posição, bem como o histriônico argentino Javier Milei - aqui, novidade zero. Quanto ao Brasil, em recente declaração, o Itamaraty divulgou nota onde afirma aguardar a divulgação oficial dos resultados para, somente após, se manifestar sobre o pleito eleitoral venezuelano.

Algumas consequências são naturalmente esperadas com a recondução de Maduro ao poder. Em primeiro lugar, e como as reações iniciais já demonstram, um isolamento ainda maior da Venezuela, possivelmente com sanções adicionais ao país. O grave quadro econômico e social pode se tornar ainda mais dramático.

No plano interno, o embate governo/oposição tende a se agudizar, com ausência absoluta de qualquer esboço de diálogo entre as partes. Parcela significativa da população, hoje insatisfeita com o atual governo, deverá ampliar o contingente que deixa o país. Movimento a ser observado nos próximos meses.

O já combalido Mercosul também terá um novo obstáculo a superar. O retorno do país ao bloco se tornará uma demanda insustentável e, caso alguém insista na defesa dessa tese, apenas colaborará para aumentar as já crescentes divisões no grupo.

Ao governo Lula (PT) será necessário enfrentar a saia justa diplomática criada pelas atuais relações com Maduro. Há quem considere que o Brasil já perdeu força política, inclusive na América do Sul, em função da reaproximação com Maduro a partir do terceiro mandato do petista. A conferir.

Por fim, apenas a título de lembrança, Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e Macron na França, assim como a oposição venezuelana, também contestaram os resultados das urnas. Nos Estados Unidos e no Brasil, por se tratar de um regime presidencialista, forçaram sem sucesso uma derrubada do governo democraticamente eleito. Na França, por ser parlamentarista, Macron dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições. No limite, conseguiu manter o seu grupo no comando. Em todos os casos, seja na Venezuela, Brasil, Estados Unidos ou França, foi a busca pela perpetuação no poder que motivou esses movimentos.

Transparência é a palavra-chave no momento. As dúvidas em torno da lisura do processo eleitoral venezuelano apenas pioram um quadro já difícil. Hoje, todos estão perdendo.

André Pereira César

Cientista Político

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