Desventuras em série - Política - Hold Assessoria

Desventuras em série

Não, não se trata do filme que contou com Jim Carrey, Meryl Streep e Jude Law no elenco, muito menos de comédia. O assunto que abordamos aqui é de outra natureza - o estado atual do governo Lula (PT). E, a rigor, a fotografia não é boa, revelando o início de um drama que, diferente do filme, não tem prazo para acabar.

Aos fatos recentes. O pior revés sofrido pelo Planalto se deu justamente no campo econômico, com a devolução, pelo Congresso Nacional, de parte da medida provisória que mudou as regras de utilização dos créditos do PIS-Cofins das empresas, impedindo que fossem utilizados para pagar outros impostos. A decisão do presidente Rodrigo Pacheco (PSD/MG) foi uma resposta à forte reação dos meios empresariais contra a MP, que tem impacto na competitividade e no lucro das empresas.

A derrota foi especialmente dura para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT/SP), literalmente o “pai” da matéria. Pior, o próprio presidente Lula teria afirmado que retiraria o trecho ao final descartado pelo Congresso. Aparentemente, o comandante da equipe econômica foi “rifado” por seu chefe e, mais ainda, não há alternativas no horizonte para compensar o revés.

Indo além da economia, outras recentes derrotas se acumulam para o lado da atual gestão. Uma rápida lista revela a dramaticidade do quadro. No final de maio, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que impede invasores ilegais de propriedades rurais de receberem benefícios do governo, como o Minha Casa, Minha Vida. Nesse caso, a base de sustentação do Planalto tentou, mas não teve condições de evitar a votação da matéria.

Outra proposta de grande interesse do governo, o projeto das Fake News, relatado por um aliado, o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), sofreu uma reviravolta em sua tramitação. Na tentativa de “passar por cima” do Planalto e acelerar as discussões, o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP/AL), criou um grupo de trabalho para analisar o mérito da proposição. Assim, o texto deverá em breve ser encaminhado diretamente ao plenário, muito provavelmente com um conteúdo distinto e contrário aos interesses de Lula e seu entorno.

Também a proposta de emenda constitucional que endurece a legislação sobre usuários e traficantes de drogas, conhecida como “PEC das Drogas”, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e terá agora seu mérito avaliado em uma comissão especial. A decisão do colegiado contraria não somente o Planalto, mas também o Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente já se manifestou de maneira totalmente distinta da dos parlamentares.

Por fim, o plenário da Câmara aprovou, em votação relâmpago e simbólica a urgência para a análise de dois projetos de grande importância e impacto nacional. O primeiro, é o que pretende proibir a delação premiada de pessoas presas - uma manobra da oposição para, em tese, beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por conta da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. O segundo, é o projeto que equipara aborto a homicídio. Na prática, a proposição penaliza em maior grau a vítima de um estupro do que o próprio estuprador. Um retrocesso mais que evidente - mas toda a discussão, comandada por Lira, mostrou mais uma vez a fragilidade da base aliada.

Apenas para lembrar, e reforçar o argumento, fora do Legislativo o governo também coleciona más notícias. A anulação do leilão de arroz por suspeita de irregularidades e o indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil/MA), apenas alimentam o caldo de baixa do Planalto.

É claro que o atual Congresso tem um viés fortemente conservador e, desde que foi eleito, Lula tinha plena noção das dificuldades que enfrentaria. No entanto, ao Planalto é mais do que necessário resolver com urgência dois problemas - as baixas qualidades da articulação política e da comunicação com a opinião pública. Do contrário, a série de desventuras não terá fim - e o futuro da gestão Lula ficará em permanente estado de risco.

André Pereira César

Cientista Político

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