A vida dos outros - ou Stasi à brasileira - Política - Hold

A vida dos outros – ou Stasi à brasileira

Vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2007, a produção alemã “A vida dos outros” aborda o modus operandi da Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental. Na estória, passada em Berlim Oriental em 1984, um agente que acompanha um escritor e sua mulher se vê cada vez mais absorvido em suas vidas. As consequências são trágicas.

Corte rápido. O que se viu no Brasil durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), conforme evidenciado pela Operação Vigilância Aproximada da Polícia Federal, foi o estabelecimento de uma Agência Brasileira de Inteligência (Abin) “paralela”, que de acordo com a PF espionou de maneira ilegal cerca de trinta mil pessoas (ou “apenas” mil e oitocentos cidadãos, de acordo com a própria Abin), entre adversários do então grupo no poder, membros do Judiciário e jornalistas. Em uma palavra, crime. Simples assim.

O que se sabe até o momento é que o então diretor da Abin e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL/RJ) comandava um esquema no qual cidadãos contrários aos interesses da família Bolsonaro eram monitorados. O instrumento, um software israelense chamado First Mile. Tecnologia a serviço do ilícito.

Pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Ramagem sempre foi homem da extrema confiança de Bolsonaro. Um autêntico operador, que atendia fielmente às demandas da família do ex-presidente. No comando da Abin, ele teve plenas condições de atuar à margem da lei - às sombras.

Em linhas gerais, quatro questões principais decorrem das investigações ora em curso. Quais as potenciais consequências para a família Bolsonaro?; quais os impactos para a pré-candidatura de Ramagem à prefeitura da capital fluminense?; a agenda Legislativa será afetada pela crise?; por fim, o governo Lula (PT) auferirá ganhos políticos com o atual quadro?.

Evidentemente, há outras variáveis envolvidas no caso. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto - partido de Ramagem - , já bateu de frente com a cúpula do Congresso Nacional, em especial Rodrigo Pacheco (PSD/MG), “um frouxo”, nas palavras de Valdemar, gerando ruídos que podem se voltar contra a agremiação. Igualmente o Judiciário, que vive em atrito permanente com o bolsonarismo, terá protagonismo ao longo das investigações.

Também será importante observar as reações do apoiador bolsonarista mais extremado, que representa cerca de 20% do eleitorado e é bastante atuante, em especial nas redes sociais. Essa fração da sociedade, embora minoritária, “bate o bumbo” e faz barulho com competência. No limite, a polarização (“calcificação”) será exacerbada ainda mais.

Em resumo, o que se vê é uma tentativa de se estabelecer, aparentemente sem sucesso, uma espécie de “Stasi brasileira”. A(s) vida(s) dos outros - as nossas vidas - entraram na cena política. O desenrolar dos acontecimentos poderá levar a uma nova era na política do país.

André Pereira César

Cientista Político

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