É público e notório que o projeto de lei que trata da anistia ampla e irrestrita aos participantes dos eventos de 8 de janeiro de 2023 já está sendo usado por alguns atores políticos - PL em especial, mas não só - como moeda de troca para a sucessão na presidência da Câmara dos Deputados. A questão, porém, vai mais além, e tem impacto inclusive sobre as eleições municipais de logo mais.
Aos fatos e explicando o conteúdo da proposta. Em linhas gerais, o projeto anistia “manifestantes, caminhoneiros, empresários e todos os que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor desta lei”, nos termos da matéria. Há quem veja aí espaço até mesmo para a absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve os direitos políticos cassados pelos próximos anos.
Chama a atenção o fato de que o projeto, na tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, foi inicialmente relatado pela deputada Sâmia Bonfim (PSOL/SP) e rejeitado pela Comissão. Sequer passou pelo crivo da admissibilidade por ser inconstitucional. No entanto, ele foi redistribuído e caiu nas mãos de Rodrigo Valadares (União Brasil/SE), um parlamentar bolsonarista que deixou de imediato seu posicionamento. O jogo (bruto) está sendo jogado.
Mais ainda, a discussão ganha corpo logo após as celebrações de 7 de setembro, onde aliados do ex-mandatário, incluindo ele próprio, estiveram na Avenida Paulista pedindo a cassação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o principal responsável pelas decisões contra os participantes do 8 de janeiro, cujo pedido de impeachment foi protocolado no último dia 9 de setembro no Senado Federal. O recado está dado.
Chegamos aqui ao atual ciclo eleitoral, às vésperas do pleito municipal de outubro próximo. Em meio ao ambiente de polarização (calcificação), o mero debate em torno da anistia alimenta os grupos políticos e, sem dúvida, dá certo gás para os aliados de Bolsonaro - no caso da capital paulista, até mesmo os simpatizantes do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), em alta nas pesquisas e cada vez mais distante do ex-presidente -, pegam carona no debate em curso na Câmara. O resultado é um só: a direita, em suas distintas e desalinhadas versões, ganha espaço e voz junto a opinião pública, o que pode se traduzir em votos, independentemente do nome do candidato. As próximas pesquisas nas grandes cidades apontarão essa realidade.
O cálculo da extrema direita é de que, ao final, todos os seus candidatos acabam sendo beneficiados com o discurso, independentemente da aprovação do projeto ou se a matéria é ou não constitucional.
Trata-se de um movimento baseado em um método claro. Não há coincidência e nem eventos aleatórios na política. Tal movimento de análise extemporânea de assunto tão delicado, a menos de um mês do primeiro turno das eleições, leva a crer que um grupo muito bem organizado utiliza os instrumentos democráticos para impulsionar candidaturas sabidamente antidemocráticas.
O quadro é claro. O debate ora em curso vai bem ao gosto do eleitorado afinado com as teses da direita, que cresce não apenas no Brasil mas em todo o planeta. As eleições presidenciais norte-americanas são o exemplo mais acabado dessa realidade, goste-se ou não disso. As chamadas “forças democráticas”, seja lá o que isso signifique, precisam estar prontas para dar a resposta. Conseguirão?
O projeto da anistia ainda terá uma longa tramitação, tanto na Câmara quanto no Senado Federal. Mesmo sem estar aprovado em definitivo, o fato de o debate seguir vivo na mídia - que ajuda a amplificar a tese de luta antissistema - serve, e continuará servindo, para mobilizar setores da opinião pública que hoje contestam o atual governo, seus aliados e o establishment em geral.
André Pereira César
Cientista Político
Colaboração: Alvaro Maimoni - Consultor Jurídico


