É inegável que enquanto ocupar a cadeira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), detém poder nada desprezível, sendo dos principais atores políticos da República, influenciando inclusive muitas decisões do Planalto. Ultimamente, no entanto, alguns reveses mostraram os limites para sua atuação - e um recuo tático se fez necessário.
Para rememorar, ao longo do primeiro ano do governo Lula (PT), ele firmou uma parceria informal com o mandatário e seus aliados e colaborou decisivamente para o avanço da agenda econômica. A aprovação de matérias como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária tiveram participação decisiva de Lira. Agora o quadro mudou.
Em busca de apoio, visando definir seu sucessor a partir do próximo ano e dado o perfil conservador da Casa, o atual presidente deu uma guinada à direita e tentou emplacar uma agenda de costumes no mínimo polêmica. Aqui destaca-se o projeto de lei que criminaliza com o dobro da pena do estuprador a mulher estuprada que, hoje, tem direito ao aborto legal - o chamado “PL do aborto”.
O tiro saiu pela culatra. O que seria uma matéria com votação simples, sem chamar a atenção, logo mobilizou a opinião pública que, via redes sociais, posicionou-se fortemente contra a proposta. Pior para Lira, que teve suas digitais ligadas ao texto. Derrota política, sem qualquer possibilidade de apelação.
Não adiantou tentar dividir a responsabilidade com os líderes partidários ou com o pastor evangélico e o principal autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ). Para o alagoano, o estrago estava feito - e o Planalto, que vinha em rota de colisão com o parlamentar, teve o que comemorar.
Nesse sentido, veio a calhar o período das festas juninas, em especial nas regiões Norte e Nordeste. Os deputados agradecem a folga, principalmente em se tratando de ano eleitoral. O recesso branco dessa semana, em tese, desanuviará o ambiente. Será?
Aconselhado por seus aliados, Lira sai de cena temporariamente, recolhendo-se em Alagoas. O retorno a Brasília, porém, pode reservar surpresas. Há quem comente que adversários do presidente da Câmara estejam preparando um contra-ataque, e a regulamentação da reforma tributária, por ele conduzida, seria o alvo. Cabe aqui a pergunta - como o Planalto se comportará nesse cenário, dado seu grande interesse em aprovar essa matéria que é apartidária e de importância nacional?
Arthur Lira manterá seu peso político, é fato. No entanto, o café começa a esfriar mais cedo para ele - afinal, seus pontos fracos começaram a ser expostos.
André Pereira César
Cientista Político
Colaboração: Alvaro Maimoni - Consultor Jurídico


