Dias de fúria - Política - Hold

Dias de fúria

Na América do Sul, as últimas semanas têm sido marcadas pela escalada de crises políticas. Diferentes países, como Equador, Chile, Peru, Bolívia e Argentina vivem momentos de forte tensão social. O que explica esses movimentos?

Equador - o país assistiu a uma forte onda de protestos na primeira quinzena de outubro. O motivo das manifestações foi claro - o presidente Lenin Moreno anunciou o fim de uma política de subsídios aos combustíveis que durava quatro décadas. A medida, altamente impopular, fazia parte de um acordo com o FMI com o objetivo de ajustar as contas públicas. Dada a escala da reação dos equatorianos, o governo cancelou o pacote.

Chile - até recentemente símbolo da estabilidade política e econômica do continente, o Chile atravessa uma verdadeira convulsão social. O estopim foi o reajuste nas passagens do metrô (relembrando os vinte centavos das manifestações no Brasil em 2013), mas o pano de fundo é o aumento da desigualdade e da pobreza no país. O governo Piñera e a oposição perderam o controle sobre a população e as imagens têm forte caráter simbólico, ecoando os anos de chumbo do regime de Pinochet. O Chile não será o mesmo após esses eventos.

Peru - o país vive uma situação sui generis - diversos ex-presidentes ou estão presos ou respondem ações na Justiça por prática de corrupção. Um deles, Alan Garcia, cometeu suicídio durante operação policial em sua residência. Para agravar o quadro, o atual presidente, Martín Vizcarra, fechou o Congresso, no que foi apoiado por parcela significativa da população. A classe política nunca esteve tão em baixa no Peru.

Bolívia - sabia-se que o processo eleitoral, no qual o presidente Evo Morales tenta um quarto mandato, seria tenso. A princípio, a apuração indicava um segundo turno entre Morales e seu principal adversário, Carlos Mesa. No entanto, o quadro mudou e foi apontada a reeleição do atual titular. Os partidários de Mesa saíram às ruas e foi decretado estado de emergência no país. O resultado final do processo ainda é uma incógnita.

Argentina - tão logo assumiu o poder, o presidente Mauricio Macri anunciou uma série de medidas de caráter liberal, com o objetivo de dinamizar a economia do país. Inicialmente cantada em verso e prosa, sua administração rapidamente se mostrou incapaz de enfrentar os complexos problemas argentinos. Os índices de pobreza e de miséria deram um salto e a Argentina vive um novo período de incertezas. De concreto, a eleição de Alberto Fernández, que tem como vice Cristina Kirchner, está praticamente assegurada. O peronismo segue vivo.

Uruguai – no último 22 de outubro, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas em Montevidéu para protestar contra uma reforma constitucional que deve reformular as políticas de segurança do país depois de anos de crescente criminalidade. A proposta é de criação de uma guarda nacional composta por soldados que ajudariam a polícia com segurança pública. A reforma também tornaria algumas sentenças de prisão mais severas e legalizaria ações noturnas, que atualmente são ilegais. O movimento deve ser observado.

E o Brasil? - apesar de improvável, o país não está imune a algum tipo de contágio no que diz respeito às manifestações populares. A exemplo do que ocorre com os vizinhos, a economia claudica e o mundo político não consegue dar respostas satisfatórias. Não espanta, portanto, a postura do presidente Bolsonaro (notoriamente simpático a regimes de exceção), que determinou às Forças Armadas para “ficarem de prontidão”.

Conclusão - não se pode apontar um modelo específico como único responsável pela turbulência no continente. É claro que as políticas neoliberais, casos do Chile e da Argentina, não resolvem a forte desigualdade econômica e social desses países. Também a esquerda tem suas limitações, como bem o mostra o governo Morales na Bolívia (sem falar na Venezuela de Maduro). Mais que tudo, o que alimenta as crises em curso é a incapacidade dos governos e dos parlamentos em solucionar os problemas da população. A insatisfação popular é fruto do sentimento de empobrecimento.

André Pereira César
Cientista Político

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