"Caminhões, panelas e um governo à deriva" - Hold

“Caminhões, panelas e um governo à deriva”

"Sem caminhão o Brasil para". A velha máxima tornou-se realidade nos últimos dias. A
paralisação de caminhoneiros em todo o país afetou, de maneira dramática, a vida de
todos. O saldo final do processo ainda está por ser conhecido.

O evento, em primeiro lugar, revela a dependência do país para com o transporte
rodoviário. Também ficou evidente nossa fragilidade no quesito infraestrutura. Como
explicar a escassez de combustível, alimentos e remédios em poucos dias de
paralisação?

Tudo leva a crer que o bem sucedido movimento foi um locaute, ou seja, empresários
do setor de transportes atuaram nos bastidores para que a categoria cruzasse os
braços. Tanto que há investigações em curso. Impressionou a todos a capacidade de
mobilização dos caminhoneiros em um país de dimensões continentais.

Igualmente chamou a atenção o posicionamento da opinião pública no caso. Da direita
à esquerda, o apoio ao movimento foi grande. Uma espécie de "os caminhoneiros me
representam" ganhou corpo de norte a sul. As redes sociais espelham essa realidade.

Reforçados por esse apoio, os representantes dos caminhoneiros jogaram de maneira
ousada e, a princípio, tiveram êxito. A pauta da categoria era extensa, mas a pressão
sobre o Planalto surtiu efeito. Acuado, o governo cedeu rapidamente, reduzindo o
preço do diesel e instituindo uma política de preços mínimos para o transporte de
cargas, entre outros. Não se sabe ainda se ocorrerá a esperada contrapartida, com o
encerramento definitivo da paralisação.

Dada a reação governista, o risco imediato é o de que outros setores da economia
sigam o mesmo caminho. Os petroleiros, por exemplo, já anunciaram a paralisação
temporária de suas atividades. As nuvens carregadas continuam no horizonte.

E pela primeira vez desde que a nova diretoria da Petrobrás assumiu, capitaneada por
Pedro Parente, discutiu-se publicamente a política de preços que a estatal vem
adotando ao longo dos últimos anos. Os preços são influenciados pelo valor
internacional do barril de petróleo e pela cotação do dólar. Críticas a esse sistema
partiram de todos os lados, principalmente dos presidentes do Senado Federal e da
Câmara dos Deputados, de governadores estaduais e de diversos setores da economia,
como a Confederação Nacional dos Transportes-CNT.

Ante esse caótico quadro, um dos grandes símbolos do ocorrido nos últimos dias
voltou: a panela. Em primeiro lugar, ela representa a escassez de produtos de primeira
necessidade. Além disso, aponta para uma piora do já combalido quadro econômico,
com escalada de preços e impacto negativo sobre o PIB. Por fim, a panela, uma das
marcas da queda do governo Dilma, reapareceu, ainda de maneira tímida, em
protestos contra o presidente Temer na noite do último domingo. Péssima notícia para
os atuais ocupantes do Planalto.

Por falar em governo, esse segue à deriva. Temer e sua equipe mostraram-se
negociadores no mínimo inábeis, não oferecendo resistência aos caminhoneiros. Nem
mesmo a convocação das Forças Armadas foi levada com seriedade. Mais ainda, o
Planalto tem sérios problemas de comunicação. A incompetência apresentada ao país
desde a última semana seria cômica, não fosse trágica.

Conforme colocado acima, as consequências do movimento ainda serão conhecidas.
No entanto, algumas afirmações podem ser feitas desde já. O impacto das medidas
anunciadas pelo governo será elevado e a conta será "espetada" na população. O
debate eleitoral ganhou um novo elemento e os candidatos precisarão se posicionar
sobre o tema. Por fim, o presidente Temer encerrará seu mandato extremamente
enfraquecido, ecoando o final do governo Sarney. Um zumbi no Planalto.

André Pereira César
Cientista Político

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