Crise no governo Bolsonaro: tempestade perfeita* - Política - Hold

Crise no governo Bolsonaro: tempestade perfeita*

A mais recente pesquisa do DataFolha, cujos números começaram a ser divulgados na noite de quinta-feira, 23 de junho, aponta a real possibilidade de vitória do ex-presidente Lula (PT) já no primeiro turno. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) atravessa um de seus piores momentos, o que se reflete no levantamento. Uma tempestade perfeita atinge o governo.

Aos números. O petista teria hoje 47% do total de votos, o que representa 53% dos válidos. O titular do Planalto, por sua vez, está estagnado em 28%. A seguir aparecem Ciro Gomes (PDT), com 8%; André Janones (Avante), com 2%; e o nome da chamada “terceira via” (que não consegue ganhar tração), Simone Tebet (MDB), com 1%.

Para Bolsonaro, os números são um retrato fiel da realidade. Três eventos ocorridos recentemente resumem a falta de projeto e o amadorismo do grupo no poder, o que ajuda a explicar, em parte, o desespero do governo.

Em primeiro lugar, a prisão do pastor e ex-ministro da Educação Milton Ribeiro caiu como uma bomba no mundo político. Acusado de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, ele e os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos (também presos) são suspeitos de integrarem um esquema de propina dentro do MEC. Nem mesmo o habeas corpus concedido aos três na quinta-feira reduziu a pressão sobre o Planalto. Bolsonaro, que já afirmou que “colocaria o rosto no fogo” por Ribeiro, ficou sem o discurso da “corrupção zero” em sua administração.

Pior, a oposição retomou a movimentação em torno da criação de uma CPI do MEC no Senado Federal e já conta com as assinaturas necessárias para sua instalação. Uma investigação congressista sobre esse tema, em plena campanha eleitoral, é tudo o que o governo não quer. Os potenciais danos são incalculáveis.

Outro elemento da “tempestade perfeita” é a crise envolvendo os preços dos combustíveis e a Petrobras. O reajuste nos valores da gasolina e do óleo diesel, anunciado na semana passada, gerou indignação no Planalto e levou à renúncia do até então presidente da petroleira, José Mauro Coelho, que já se encontrava demissionário, diga-se. Os aliados do governo, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP/AL) à frente, foram além e propuseram uma série de ações para reverter o quadro. Foram postas à mesa medidas populistas e meramente paliativas (aumento da taxação dos lucros da empresa e uma bolsa-caminhoneiro de R$ 1.000, por exemplo), que não atacam o cerne do problema.

Aqui, ocorreu um movimento inusitado. O próprio governo propôs a criação de uma CPI para investigar a Petrobras. Instrumento das minorias no âmbito do Congresso Nacional, as comissões parlamentares de inquérito têm o poder de jogar luzes sobre os erros dos governos de plantão (a CPI da Covid é um exemplo recente). Amadorismo e desespero novamente deram as caras. O governo iria investigar a si próprio por conta das indicações políticas feitas pelo governo para a diretoria da estatal. Algo inédito.

Por fim, os graves problemas na Amazônia voltaram à cena com a tragédia envolvendo o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. O brutal assassinato dos dois, que trabalhavam na região, mostrou ao mundo uma dura realidade, com a ação ilegal de garimpeiros, madeireiros e outros grupos.

Ao não agir, ou ao menos reagir, de maneira séria e efetiva no caso, o governo Bolsonaro aparece como corresponsável do descalabro amazônico. O presidente Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e demais líderes e políticos da base governista preferiram adotar, nesse caso, o discurso para o público interno, para os seus aliados e seguidores, sem se preocuparem com as consequências de suas manifestações mundo afora. O Brasil reforça sua condição de pária perante a comunidade internacional.

Enfim, faltando menos de cem dias para o primeiro turno das eleições, o quadro é muito ruim para Bolsonaro. Caso não ocorra uma virada de chave imediata, não surpreenderá que seja abandonado por aliados, em especial o Centrão. Discretos, mas perceptíveis movimentos já estão sendo realizados. Nesse caso, será “jogo jogado”.

André Pereira César
Cientista Político

*Tema da live do dia 23 de junho de 2022, disponível no nosso canal no YouTube

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