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Bolsonarismo sem Bolsonaro

A crescente e consistente corrosão do capital político do presidente Jair Bolsonaro (PL) tem gerado inúmeras análises. Um ponto importante, ainda pouco explorado, diz respeito à própria corrente ideológica do titular do Planalto - existiria um Bolsonarismo mesmo sem Bolsonaro?

Mesmo antes da campanha eleitoral de 2018 já se captava, em setores nada desprezíveis da sociedade brasileira, uma emergente agenda conservadora. Retornando um pouco no tempo, as manifestações de junho de 2013 e o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) são marcos importantes nesse processo, que ao final desaguou em Bolsonaro.

A agenda conservadora ora no comando do país representa um retrocesso em relação às conquistas da sociedade brasileira desde a Constituição de 1988. Ela inclui, por exemplo, a defesa do armamentismo da população, a redução de direitos trabalhistas, um Estado mais enxuto (menos atuante), o desmonte de políticas sociais, o desprezo às minorias e o fortalecimento da família tradicional e de valores religiosos. O jogo é claro e a pauta adentrou o Planalto e a Esplanada dos Ministérios.

As manifestações de 7 de setembro do ano passado trouxeram à luz, sem qualquer tipo de retoque, essa agenda. Setores da classe média, sob a orientação de empresários, pastores, caminhoneiros e militares de baixa patente, saíram às ruas para mostrar sua força. O atual mandatário é apenas a síntese de tudo isso.

Nos Estados Unidos da América, a derrota eleitoral de Donald Trump não significou o fim de sua corrente político-ideológica. Muito pelo contrário, o Trumpismo, no qual o Bolsonarismo se espelha, ganhou força no Partido Republicano e estará presente na sucessão presidencial de 2024, com Trump ou outro candidato. O movimento tem vida própria.

O mesmo se dá no Brasil. O Bolsonarismo, hoje, é maior que Bolsonaro. Isso ficou claro nas reações de apoiadores do presidente após à divulgação da notória “declaração à nação”, na qual o titular do Planalto recuava dos ataques às instituições. Nas redes sociais, bolsonaristas criticaram duramente o mandatário, mas afirmavam que seguiriam na defesa de sua agenda, talvez com outro nome à frente do projeto. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub hoje se encaixa nessa posição, não aceitando composições com o establishment e, no limite, ameaçando o projeto do governo federal no estado de São Paulo ao dividir a base de apoio de Bolsonaro.

Bolsonaro, assim, é apenas uma peça (importante, claro) em uma engrenagem há tempos em funcionamento. Sua eventual saída de cena, derrotado nas urnas, não significará a definitiva retirada de cena de sua corrente político-ideológica. O Bolsonarismo, mesmo minoritário (algo entre 15% e 20% da população), continuará entre nós, com novos “Olavos” a produzir ideias. E fazendo barulho.

André Pereira César
Cientista Político

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