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A questão ambiental e a reunião ministerial

Desde o início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, as questões ambientais são causas de inúmeras polêmicas, inclusive com repercussão internacional, como é o caso da recente fala do ministro Ricardo Salles na reunião ministerial, divulgada na sexta feira, 22 de maio. Nesta reunião, o ministro apontou para a necessidade de redução da burocracia no setor ambiental, gerando intensos protestos ao propor passar “a boiada” para mudar e simplificar regras, aproveitando que a imprensa está voltada para a pandemia. Vale um olhar mais de perto para estas questões e para a fala do ministro.

Na apresentação do Plano Pró-Brasil, o meio ambiente não teve um capítulo próprio, sendo citado apenas duas vezes, junto com agricultura, com a proposição de incluir nesta pasta “Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural”, e no capítulo de energia, onde foi mencionada tão somente a lentidão no licenciamento de Pequenas Centrais Hidrelétricas. Na fatídica reunião, evidenciou-se o papel secundário da área ambiental, o que vem a confirmar que, no governo de Bolsonaro, o meio ambiente perdeu importância, tanto que se tentou, logo no início, ainda em 2019, extinguir o ministério do Meio Ambiente, fato não concretizado em função da intensa pressão dentro e fora do país.

Mesmo assim, o ministério foi sendo, aos poucos, esvaziado. Houve a transferência da concessão das florestas públicas e do serviço florestal para o ministério da Agricultura e de todo o sistema de gestão de recursos hídricos (incluindo a Agência Nacional de Águas) para o Ministério de Desenvolvimento Regional. Alguns artigos foram escritos criticando este novo arranjo institucional, mas houve pouca repercussão nas mídias tradicionais. Dentre as críticas estão, como já dito, o esvaziamento da pasta de Meio Ambiente e o enfraquecimento das políticas ambientais, com a fragmentação das ações e geração de conflitos de interesses nas novas pastas.

Quanto à simplificação das normas, importante dizer que está em tramitação no Congresso a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que propõe uniformizar e modernizar a regulação ambiental. Com a relatoria do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), a proposta original sofreu alterações, como a transferência para os estados das regras do licenciamento e a criação do auto licenciamento dos empreendimentos (sem a prévia autorização do governo), além de outras mudanças polêmicas. Estas alterações divergem do diálogo anterior entre congressistas, ambientalistas e pesquisadores da área ambiental e podem aumentar os riscos socioambientais, como o rompimento de barragens e a redução das áreas indígenas e reservas ambientais, bem como gerar uma disputa entre os Estados para atrair empreendedores.

A pressão para a aprovação rápida desta Lei é grande, apesar de não ter sido explicitada na fala de Ricardo Salles na reunião ministerial. O ministro enfatizou a necessidade de aproveitar o foco da imprensa na pandemia para mudar as normas infralegais, que se referem principalmente às resoluções, instruções normativas e portarias, que independem do Congresso.

As normas infralegais comumente são elaboradas pelo Executivo (federal ou estaduais) e são discutidas e aprovadas nos conselhos da área ambiental antes da publicação. A participação social é fundamental neste processo, o que parece ter sido ignorado na fala do ministro, que deixou entender que estas alterações poderiam ser feitas somente dentro dos gabinetes. Ocorre, porém, que a redução da participação social na governança ambiental do atual governo, em contradição com as leis em vigor, vem sendo sistematicamente diminuída no Conselho Nacional de Meio Ambiente, no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e no Fundo Amazônia.

É quase consenso a necessidade de simplificar os processos de licenciamento ambiental, que em parte inclui a redução da burocracia, o que não pode ser confundido com desregulamentação e afrouxamento das exigências necessárias para o licenciamento de empreendimentos potencialmente poluidores, bem como para as ações de fiscalização, avaliação, monitoramento, mitigação, prevenção e compensação dos danos socioambientais.

“O mundo inteiro cobra a redução da regulamentação para garantir segurança jurídica, previsibilidade e simplificação”, foi também parte da fala do ministro, que passou despercebida pela grande mídia. Muito provavelmente este “mundo inteiro” citado pelo ministro sejam as grandes corporações, interessadas em explorar nossos recursos naturais com pouco compromisso socioambiental. Mas, certamente, não se refere aos governos que encaram a questão ambiental como aliada e não como inimiga do desenvolvimento, um anacronismo que perdeu eco na maioria dos países, especialmente frente às mudanças climáticas e à necessidade de proteção das florestas e dos povos nativos.

Muitos países já superaram estas divergências, com base em estudos científicos e experiência, e sinalizam que vão adotar sanções contra o Brasil, a exemplo da deputada Yasmin Fahimi, do Partido Social-Democrata alemão, que preside o Grupo de Amizade Brasil-Alemanha. A deputada criticou a fala do ministro, o enfraquecimento do Ibama, a demissão de funcionários que atuam na fiscalização da floresta e a ameaça aos povos indígenas com a ocupação desenfreada e ilegal da Amazônia, particularmente quanto ao decreto presidencial conhecido como MP da Grilagem. Se por um lado este tipo de crítica comumente leva o governo brasileiro a reagir com o discurso da soberania, por outro, a fala do ministro demonstrou que as pressões externas são justificativas importantes para reduzir a regulamentação ambiental no Brasil, o que não é correto afirmar.

Como exemplo real de sanção, a Noruega retirou de seu fundo soberano – o maior do mundo –investimentos na Vale, na ordem de US$ 375 milhões, por conta dos danos ao meio ambiente em Brumadinho, e na Eletrobras, em valores que podem chegar a US$ 74 milhões, devido a problemas na Usina de Belo Monte, que ocasionou o aumento da tensão sobre terras indígenas, com a consequente desintegração das estruturas sociais dos seus povos e deterioração de seus meios de subsistência.

Outro exemplo é a paralisação do Fundo Amazônia desde que o governo extinguiu o seu órgão colegiado, alegando irregularidades financeiras que não foram comprovadas. Entidades ambientalistas e pesquisadores já haviam alertado na época que a paralisação do Fundo causaria aumento descontrolado do desmatamento, como veio a se concretizar. Nesta quinta-feira, 29 de maio, as negociações foram retomadas pelo vice-presidente Hamilton Mourão com a Noruega e a Alemanha, principais doadores deste Fundo. Mourão, que atualmente preside o Conselho da Amazônia, propôs uma nova estrutura para este colegiado, na qual ele será presidente no lugar de Ricardo Salles. A noção na Europa de que o governo brasileiro não está comprometido com a proteção ambiental, devido ao aumento do desmatamento e das queimadas, ficou ainda pior após a divulgação da fala do ministro Ricardo Salles na reunião ministerial, mas a sua saída do conselho poderá ser positiva para as negociações de retomada do Fundo.

Mesmo que o “mundo inteiro” pressione para o afrouxamento, é importante lembrar que o país aderiu a diversos tratados internacionais sobre meio ambiente e dispõe na Constituição Federal, no artigo 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Portanto, é um grande desafio propor a redução da burocracia e a modernização do arcabouço legal e institucional, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, para além do discurso fácil e sedutor que comumente acompanha este termo. Isto implica um amplo debate em busca de consenso, com os diferentes grupos de interesse, baseado no conhecimento, na inovação e na realidade socioambiental de cada região brasileira. Implica ainda na compreensão de que meio ambiente deve ser transversal a todas as áreas e políticas públicas, e não ao contrário, como foi mencionado pelo ministro na reunião.

Daniela Maimoni de Figueiredo

Bióloga, PhD Recursos Hídricos e Governança Ambiental

Pesquisadora Associada-UFMT

Membro do Observatório de Governança das Águas

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