Frustração na Esplanada. O que seria uma reunião virtual com potencial de abrir uma porta (pequena, mas enfim, é o possível para o momento) entre Brasil e Estados Unidos na questão do tarifaço transformou-se em mais uma dor de cabeça em Brasília. O cancelamento da conversa entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT/SP), e o secretário do Tesouro norte-americano Scott Bessent reforça a percepção de que a negociação entre os dois países não será fácil.
Aos fatos. Havia grande expectativa em torno da conversa, prevista para ocorrer amanhã, quarta-feira, 13 de agosto. Bessent, em tese, seria a pessoa mais flexível no entorno do republicano Donald Trump para negociar “brechas” no tarifaço - ele inclusive manteve conversas anteriores com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), também ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio -, mas “forças ocultas”, como diria Jânio Quadros, teriam agido para minar o território.
Essas forças, no caso, estariam encarnadas na figura do (ainda) deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), que segue sua cruzada em defesa da anistia a seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No caso, uma entrevista do parlamentar teria motivado o cancelamento do encontro.
O titular da Fazenda tem uma posição realista quanto ao caso. Ele avalia que uma “força política que tem expressão na vida pública” atua contra os interesses do Brasil. De fato, mesmo com o estrago causado pelas medidas de Trump à economia brasileira, parcela não desprezível da população apoia as politicas do norte-americano. Aqui, vale o “quanto pior, melhor”.
É importante observar que Bessent, apesar de sua aparente flexibilidade e disposição ao diálogo, foi grande doador, arrecadador de fundos e conselheiro econômico da campanha de Trump em 2024, ou seja, é bastante próximo do republicano. Bacharel em ciência política pela Universidade de Yale, fez carreira como grande investidor, tendo inclusive colaborado com os democratas em candidaturas passadas (Al Gore, Barack Obama e Hillary Clinton). Pragmatismo parece ser uma de suas marcas, o que recomenda cautela ao governo Lula (PT).
Paralelamente, o governo brasileiro mantém conversas com outras lideranças globais, em especial a China. Na noite de segunda-feira, 11 de agosto, o titular do Planalto conversou por telefone com o chinês Xi Jinping, para discutir questões como a invasão da Ucrânia pela Rússia e a parceria estratégica bilateral a qual se tenta avançar. Nesse caso cabe lembrar que, para muitos analistas, as ações efetivas de Pequim no Brasil ainda são tímidas se comparadas ao que já foi anunciado.
Sobre a necessidade do governo Lula de ampliar negócios com outros países e blocos, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo na segunda-feira, 11 de agosto, o especialista em Relações Internacionais Oliver Stuenkel aponta que, em um cenário global fragmentado e volátil, a aposta mais segura é o alinhamento múltiplo. Por essa ótica, colocar o Brics como eixo exclusivo da politica externa pode resultar em ganhos limitados. China sim, mas não só ela, eis a mensagem.
Nesse contexto, importante trazer mais uma avaliação do ministro Haddad. Segundo ele, os Estados Unidos “estão mudando sua relação com o mundo que não é ideológica, governos mais amigos ou menos amigos, mas trata-se de postura geopolítica”.
E essa percepção não é isolada. Em recente artigo publicado no blog do jornalista Ricardo Noblat, o ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso, Roberto Brant, afirma que “o princípio fundamental do comércio internacional baseado em regras é o que determina que tarifas são impostas sobre bens e não sobre os países de origem” e que “há mais de um século o comércio internacional vem sendo regido por esta regra. Ao tratar cada país, e não cada mercadoria, de um modo separado, Trump fez ruir a única regra que organizava o comércio entre os países, e, uma vez em ruínas, o comércio internacional nunca mais será o mesmo” e que, portanto, os seus efeitos podem durar por muito tempo, se não para sempre, já que uma vez erguidas, as barreiras são muito difíceis de serem revogadas.
Por fim, Brant argumenta que para uma redução dos atuais 50% para uma taxação em torno de 25% a 20%, ainda muito altas, a exemplo do que ocorreu com a Indonésia, Tailândia e Vietnã, o Brasil certamente teria de retirar todas as tarifas e todas as barreiras não tarifárias para as exportações dos Estados Unidos, o que abriria completamente seu mercado e exporia à destruição a indústria nacional, inclusive setores do agronegócio, que enfrentariam uma competição desigual.
Errados não estão, mas é preciso tirar o Brasil da linha de tiro de Washington – apesar dos esforços diplomáticos até aqui empenhados, nada se moveu nesse terreno.
André Pereira César
Cientista Político


