Transição e agenda legislativa - Hold

Transição e agenda legislativa

Causou alguma surpresa a anunciada disposição do governo Temer de, tão logo se
encerre o processo eleitoral, encaminhar ao Congresso Nacional uma série de
proposições para votação imediata. Entre essas medidas estão algumas que tratam do
sistema tributário. Qual é a real viabilidade dessa "nova-velha agenda"?

É inegável a importância do mino-pacote tributário, como vem sendo chamado pela
imprensa. A equipe econômica estuda propor alterações no Imposto de Renda das
empresas, tributação de lucros e dividendos, revisão da tributação de aplicações do
mercado financeiro e unificação do PIS e da Cofins. Uma agenda nada modesta, como
se vê, e que há tempos é colocada à mesa de negociação, sem sucesso.

Sem entrar no mérito das proposições, é inegável a necessidade do estabelecimento
de um debate efetivo sobre o sistema tributário brasileiro. O grande porém é o
momento da retomada dessa discussão. Enfraquecido e vivendo seu ocaso, o governo
Temer pode estar criando problemas adicionais para o presidente que sairá das urnas
em outubro.

Como dito acima, as reformas são fundamentais para a reorganização das contas
públicas brasileiras. A proposição das medidas tributárias agora, faltando poucos
meses para Temer deixar o Planalto, acrescenta novas doses de incerteza no quadro
político.

Em primeiro lugar, caberá ao atual titular do Planalto estabelecer uma linha de
negociação com o presidente eleito, para que se encontre um denominador comum
entre as propostas de agora e a agenda do futuro governo. Sem um amplo
entendimento, as conversas inevitavelmente fracassarão e algum ônus cairá na conta
do presidente eleito.

Cabe lembrar que as questões tributárias passam necessariamente pelos estados,
atores fundamentais nesse processo. Os novos governadores inevitavelmente serão
chamados à discussão, mas isso dificilmente ocorrerá antes de janeiro de 2019.

Além disso, o vencedor de outubro precisará negociar com diversos grupos políticos
logo após o pleito. Suas energias estarão firmemente voltadas para esse propósito.

Dada a fragmentação do quadro político e a radicalização em curso, essas negociações
com os derrotados e potenciais aliados demandarão tempo e paciência. Sobrará pouco
espaço na agenda do eleito para o presidente que está deixando o Planalto.

Por falar em potenciais aliados, é difícil imaginar que os partidos, salvo raras exceções,
aceitem votar projetos da lavra de um governo que sai com altíssima rejeição popular.

Nesse momento, não passa pela cabeça dos políticos qualquer tipo de
comprometimento com o governo Temer.

Assim, o movimento ora anunciado tem reduzidas chances de prosperar. Há quem diga
inclusive que ao presidente Temer interessa mais encerrar seu ciclo tentando mostrar
que segue altivo, pensando no futuro do país. Nada mais que isso.

O ideal, se houvesse "mundo ideal" na política, seria uma transição aos moldes da
ocorrida no final de 2002, quando Fernando Henrique Cardoso passou a faixa a Lula.
Ali se deu uma grande sinergia entre tucanos e petistas, onde todos saíram ganhando.
Um forte exemplo de civilidade, que parece não encontrar eco no quadro radicalizado
da política brasileira em 2018.

André Pereira César
Cientista Político

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