Dados os últimos eventos, registrados tanto no Brasil quanto no mundo, a polarização ora em curso tende a ganhar escala. Uma avaliação da cena política atual em sete atos e um epílogo.
. Primeiro ato: o voto de Fux - o surpreendente voto do ministro Luiz Fux no julgamento, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados pela participação direta na tentativa de golpe, jogou gasolina na fogueira. No âmbito da Corte, o ministro deve se isolar mas, para muitos, ele sai como uma espécie de herói do episódio. Para a opinião pública em geral, o saldo é claro - alguns acreditam haver uma “ditadura” vigente no país, enquanto outros avaliam que Fux, em sua votação divergente de seus colegas, involuntariamente contribuiu para mostrar que o quadro é de normalidade institucional. De todo modo, a queda de braço seguirá.
. Segundo ato: a condenação e a dosimetria - o esperado resultado do julgamento, 4 a 1 contra o ex-mandatário e seu entorno, gera um ambiente adicional de tensão no cenário. Mais ainda, a definição das penas poderá levar muitos a acreditar em uma espécie de “complô” - Bolsonaro, por exemplo, foi condenado a 27 anos. As ruas poderão se inflamar ainda mais a curto e médio prazos e não se pode destacar atos de violência e vandalismo, sejam eles coletivos ou cometidos pelos chamados “lobos solitários”, gerando um risco (físico) extra para autoridades, como ministros do STF.
. Terceiro ato: o assassinato de Kirk - no já dividido e conflagrado Estados Unidos, o assassinato de Charlie Kirk, apoiador e bastante próximo ao presidente Donald Trump, torna tudo mais dramático. Há uma clara tendência de acirramento das posições e a Casa Branca, em especial, poderá adotar medidas ainda mais severas contra diversos grupos (minorias em geral, mas não só). O país parece retornar a passos largos aos anos sessenta do século passado - ecos de Martin Luther King.
. Quarto ato: o planeta e seus múltiplos conflitos - de leste a oeste, de norte a sul, o mundo vive um período de turbulência que não era registrado há décadas. A invasão da Ucrânia pela Rússia segue sem solução e, pior, pode piorar com o czar Vladimir Putin tentando expandir seus tentáculos sobre a Polônia; em Israel, Benjamin Netanyahu amplia as ações contra os palestinos em Gaza e agora ataca o Catar, a pretexto de liquidar líderes do grupo terrorista Hamas; já o Nepal vive um momento de sublevação bárbara, com a queda do governo, a queima do prédio do Parlamento e assassinatos de dezenas de pessoas; por fim, a Europa vê suas instituições em crise, caso do governo Macron na França. Tempos difíceis e sombrios.
. Quinto ato: o Congresso Nacional - entre os parlamentares, o ambiente tende a tensionar ainda mais a partir de agora. A oposição, bolsonaristas à frente, insistirá na questão da anistia e jogará pressão extra sobre o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB), para que ele paute a matéria. Isso será um obstáculo extra para o governo, cuja agenda legislativa está travada. Novos embates físicos entre as partes, como a “invasão” das Mesas Diretoras, não estão descartados.
. Sexto ato: as redes sociais - nas redes, já é palpável um recrudescimento na disputa entre governo e oposição. Ataques de parte a parte são registrados a todo momento e deverão aumentar ao longo das próximas semanas. Sem uma mínima regulamentação do setor, torna-se terreno fértil para o usual bang-bang. Nesse campo, os aliados e apoiadores de Bolsonaro transitam muito melhor - aqui vale o velho chavão “a direita é digital, a esquerda segue analógica”.
. Sétimo ato: o cotidiano - o cidadão comum, muitas vezes pouco preocupado com a política, é um alvo fácil para qualquer tipo de ação - violência, atos de discriminação e racismo, pobreza e desigualdade. Ninguém está a salvo dessa realidade.
. Epílogo - como se vê, o quadro é de convulsão generalizada, não importa para onde se olhe. Fosse um filme, poderíamos chamar de “Terra em transe” versão século XXI. Infelizmente, as perspectivas (locais e globais) são ruins. A crise geral continuará.
André Pereira César
Cientista Político


