Câmara dos Deputados: anatomia de uma punição - Política - Hold Assessoria

Câmara dos Deputados: anatomia de uma punição

“A oposição vai continuar seu papel no Congresso. O que não é normal é a baderna, a mesma engenharia do 8/1. Há muita matéria importante para ser votada”. A frase, proferida pelo líder do governo no Senado Federal, Jaques Wagner (PT/BA), sintetiza à perfeição o momento atual do Parlamento. Diálogo e negociação são artigos em falta, e a agenda legislativa fica em segundo plano. O pior dos mundos.

Tome-se o ocorrido na última semana nas duas Casas. Ao impedirem o funcionamento regular dos plenários por meio da ocupação das Mesas, deputados e senadores de oposição geraram imagens constrangedoras, inclusive de alguns acorrentados a cadeiras, que certamente afetarão a percepção já ruim do Congresso junto à opinião pública. Do lado do governo, o que se vê por ora é incapacidade de retomar o controle dos acontecimentos. Um jogo em que todos perdem.

A obstrução, é importante frisar, representa um instrumento legítimo para as minorias lutarem por seus interesses, inclusive com previsão no Regimento Interno. A questão é que, no caso, o que se viu foi um atentado às regras regimentais - “baderna”, nas palavras do líder petista. Pode-se afirmar que os presidentes das duas Casas, deputado Hugo Motta (Republicanos/PB) e senador Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), tiveram seus poderes contestados e precisarão subir o tom nas conversas com seus pares, para garantia constitucional dos trabalhos do Parlamento.

Alcolumbre é inegavelmente um politico experiente e, em tese, tem condições de acomodar o ambiente no Senado, voltando à normalidade. A questão central está na Câmara - terá Motta capacidade de controlar as ações do colegiado? Esse é o ponto.

Desse modo, o deputado de imediato adotou uma medida que, na avaliação de alguns observadores, não condiz com seu estilo - em geral tímido, em um claro contraste com o antecessor, Arthur Lira (PP/AL), um parlamentar duro que mantinha seus comandados com rédea curta. Aqui, Motta enfrentará um duro teste.

O presidente da Câmara defende uma espécie de “punição pedagógica” aos envolvidos nos atos da semana passada. As possíveis sanções aos quatorze deputados envolvidos, incluem desde a suspensão dos mandatos por um período de seis meses até a cassação, e a questão será encaminhada à Corregedoria da Casa, que examinará as imagens do incidente para determinar as responsabilidades individuais dos envolvidos.

Dentro do momento de anormalidade há um caso no mínimo sui generis. O deputado Marcos Pollon (PL/MS), parlamentar em primeiro mandato, alegou não haver entendido a ordem de deixar a Mesa por ser autista. A declaração do parlamentar gerou de imediato reações negativas, em especial por parte de famílias com autistas em casa.

Em suma, o que se vê é um grupo pequeno de deputados e senadores (barulhento, diga-se) mais interessados em aparecer para seus seguidores nas redes sociais - “lacrar” é a palavra de ordem. O debate em torno dos temas de interesse nacional fica em alguma gaveta, ao menos por enquanto.

André Pereira César

Cientista Político

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