Crise politica e tarifaço - Política - Hold Assessoria

Crise politica e tarifaço

Esse artigo estava programado para ser publicado na terça-feira, 5 de agosto, mas a escalada dos acontecimentos alterou o cronograma inicial. Dada sua natureza e suas características, a crise politica ora em curso requer uma abordagem distinta daquela feita até agora.

Comecemos pelo quadro atual da politica brasileira. A prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) gerou forte reação na oposição (e também na opinião pública), reação essa que afetou de maneira efetiva a retomada dos trabalhos do Legislativo, mas não só. Mais ainda, a anunciada obstrução trava toda e qualquer tentativa de se avançar no debate nacional. A complexa e extensa agenda de votações (IR, reforma tributária e reforma administrativa, entre outras propostas) foi relegada a um segundo plano e, sem a perspectiva da inclusão do projeto da anistia na pauta, os aliados do ex-mandatário, de maneira literal, barraram o funcionamento do Congresso Nacional. Ao tomar assento nas Mesas das suas respectivas Casas, o recado está dado - “ou César ou nada”. Não há espaço para qualquer tipo de negociação.

Importante observar que as notas em resposta emitidas pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), foram de certo modo tímidas - a questão merecia um posicionamento mais contundente, dado que 55% são contra a anistia e 35% a favor, de acordo com o mais recente DataFolha, realizado no final de julho. Trata-se de um “não assunto”, como já falou o comandante do Senado.

Aqui caímos no tarifaço do republicano Donald Trump. Em tese, ele será aplicado a partir de hoje, quarta-feira, 6 de agosto, a milhares de produtos brasileiros. A lista de exceções, apesar de extensa (694 setores), é pequena em comparação com aqueles que serão taxados em 50% - cerca de três mil e oitocentos, em uma contabilidade inicial. Frise-se o “em tese” da abertura do parágrafo pois, dado o caráter errático do presidente norte-americano, mudanças de rota não podem ser descartadas.

A rigor, o quadro geral ainda é de incerteza e os governos, tanto o federal quanto os estaduais, buscam soluções que ao menos minimizem os prejuízos que os exportadores terão com as medidas. Aqui, trata-se de proteger empresas e empregos, uma situação dramática que afeta a todos. Por sinal, abre-se a possibilidade de criação de uma espécie de “pacto nacional”, capaz de unir empresários e trabalhadores, um movimento praticamente inédito no país.

A princípio, o presidente Lula (PT) e seu entorno esperavam um salto na avaliação junto ao eleitorado após o anúncio do tarifaço, mas isso não ocorreu. A pesquisa do DataFolha realizada no final de julho mostra estabilidade nos índices. Para 29% dos entrevistados, a atual administração é “ótima” ou “boa” (28% em junho), enquanto 40% consideram “ruim” ou “péssima”, mesmo percentual do levantamento anterior. Ducha de água fria no Planalto?

Ainda assim, é inegável que o tarifaço, por vias tortas, poderá se tornar um importante ativo politico para o governo. Em primeiro lugar, o posicionamento de apoio a Trump por grande maioria da oposição, em especial a mais radical e alinhada ao bolsonarismo, já está sendo explorado por Lula e aliados. Afinal, o que explica e/ou justifica o apoio à medidas contrárias aos interesses do Brasil? No limite, o bolsonarismo pode estar dando um tiro no pé.

Igualmente respostas efetivas e contundentes poderão contar pontos favoráveis ao governo. Três atores são fundamentais nesse ponto, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT/SP), das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Esse último, por sinal, tem aparecido como um excelente interlocutor e negociador, colocando em campo toda a experiência acumulada nos tempos de governador de São Paulo.

Por falar em São Paulo, o atual titular do Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio de Freitas (Republicanos), entrou em uma saia justa tão logo o tarifaço foi anunciado, e ainda não conseguiu retomar o rumo em sua totalidade. Pelo contrário, ao apoiar de saída as medidas de Trump, o governador desagradou profundamente o empresariado e o mundo das finanças de seu estado, o mais afetado pelo tarifaço. Ao mudar o discurso e passar a criticar o norte-americano, ele contrariou os interesses do eleitor bolsonarista mais radical e, com isso, perdeu a confiança de um grupo importante para seus interesses eleitorais. Não por acaso, a pré-candidatura à sucessão presidencial pode ter subido no muro, ao menos por ora, porque Tarcísio soltou dura nota no X contrário à prisão de Bolsonaro, seu maior cabo eleitoral e deve ganhar um fôlego nos ataques sofridos pelos radicais apoiadores do bolsonarista.

Não se pode esquecer do Judiciário, com as pesadas sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele não deverá ser o único integrante da Corte a ser atingido pela Lei Magnitsky, de 2012. Espera-se que ao menos outros quatro membros do colegiado também recebam a mesma “pena”, agravando um quadro já turbulento.

Enfim, somente a partir de hoje se saberá efetivamente a real extensão e alcance do tarifaço sobre o Brasil. Agora o jogo realmente começa e as peças se moverão - para onde, as respostas serão dadas em breve. Em paralelo, o tensionado ambiente político alimenta uma crise que não tem hora para acabar.

André Pereira César

Cientista Política

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